Os instrumentos tradicionais da política não mais dispõem de condições de mediar eficazmente os problemas e pulsões da sociedade atual. A complexidade do presente fez a obsolescência das estruturas do passado. Na dúvida sobre o amanhã, navegamos na incerteza angustiada por respostas que ainda procuram palavras próprias. No hiato de uma narrativa histórica vencedora, a democracia moderna aguarda o surgir de um projeto político virtuoso e responsivo aos anseios de uma civilização com cada vez mais pressa e intensidade de viver.
Objetivamente, a impressionante velocidade dos fatos contemporâneos é absolutamente incompatível com os procedimentos lerdos e vagarosos da política tradicional. Um exemplo explica tudo: os partidos políticos faliram em suas premissas e propósitos. No caso brasileiro, são tão falidos que precisam de bilionários recursos públicos para sobreviver. Ou seja, as instituições que deveriam libertar os cidadãos das amarras do Estado acabam por se tornar parasitas da sangria patrimonialista nacional.
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Sem cortinas, a decadência qualitativa da política brasileira compromete as legítimas ambições de um povo cansado de ser enganado. Infelizmente, as pessoas não acreditam mais nos políticos. Décadas de mentiras irresponsáveis resultaram no esvaziamento da capacidade de persuasão racional do discurso público. Agora, diante de desafios inadiáveis, como a reforma da Previdência, não há credibilidade política necessária à dinâmica composição dos interesses contrapostos.
Como bem aponta sofisticada doutrina acadêmica, “a construção da democracia é um processo de institucionalização do conflito”. Em outras palavras, com o avanço civilizatório, a luta armada vem sendo gradativamente substituída por duelos retóricos à luz da razão pensante. Por assim ser, o encontro de soluções factíveis pressupõe a capacidade de diálogo e entendimento entre os plurais polos de decisão política. No entanto, quando a dialética se torna impossível, os conflitos tendem a se potencializar.
Em tempo, a acentuada hipertrofia do papel do colendo Supremo Tribunal Federal (STF) bem retrata a aguda decadência das instituições políticas brasileiras, que, perdidas e desorientadas, acabam por remeter a um órgão técnico-jurisdicional inúmeras questões de natureza eminentemente política e, por assim serem, sujeitas a lógicas infinitamente mais complexas e fluídas do que a fria letra da lei.
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Aliás, o esvaziamento da função deliberativo-decisória do Parlamento, além de importar perigoso déficit democrático, prejudica o equilíbrio e a harmonia entre os poderes da República, tornando o litígio, e não o entendimento público, em elemento protagonista dos acontecimentos sociais.
Por tudo, não podemos mais estimular a marcha da irracionalidade que vem governando o Brasil. Temos que elevar nossa visão de mundo, enxergar os desafiadores problemas que se avizinham no horizonte e preparar as pessoas a navegar na era da tecnologia e da inteligência artificial. A tenaz advertência de Yuval Noah Harari, no sentido de que “não existe história predeterminada”, traz certo alento, informando que se um dia fomos um país corrupto, pobre e desencontrado, isso não significa que o futuro seguirá o mesmo destino. Para tanto, não podemos continuar sendo o que somos.
O sucesso da democracia pressupõe uma sociedade civil vibrante, participativa e questionadora. Além da pressão externa sobre o sistema, a retomada de um discurso público pautado por premissas de verdade e integridade política constitui elemento essencial para a restauração da confiança popular nas instituições de poder.
É prudente não mais brincar com a generosidade do povo. As pessoas podem tolerar o erro perdoável, mas não aceitam mais a mentira política desavergonhada. No final, a intolerância com aquilo que nos mata não deixa de ser uma reação positiva daqueles que buscam um viver mais saudável. E ser intolerante com os maus políticos é a melhor forma de exaltar a boa democracia.
Fonte: “Estado de Minas”, 24/05/2018