Durante todo o ano de 2018, a Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo) promoveu debates sobre a formulação de uma política nacional para o trigo, envolvendo governo, agências reguladoras, organismos internacionais, academia, sindicatos, entidades empresariais, parceiros potenciais e mídia. Foram ouvidos diferentes elos da cadeia produtiva, representando a produção, cooperativas, indústria, pesquisa, cerealistas, insumos, tradings e entidades representativas do segmento do trigo, com o objetivo de preparar uma proposta para o governo brasileiro que torne o Brasil cada vez mais competitivo no negócio trigo/farinha/derivados.
A indústria moageira do Brasil é o elo entre o campo e a indústria de transformação. E pela primeira vez foi elaborada uma proposta de Política Nacional do Trigo. Ela chega levando em conta, em especial, as seguintes condições internas:
– produção estagnada nas regiões tradicionais, plantio em novas áreas (norte do Cerrado, Bahia, São Paulo e Minas Gerais, Mato Grosso do Sul);
– consumo estagnado de farinha, que, com a recuperação da economia, tenderá a crescer;
viabilização de novas variedades de sementes para novos produtos (a exemplo dos Estados Unidos);
– desenvolvimento de variedades resistentes ao fungo Brusone e Giberela pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa); e
– ênfase no aumento do fluxo de comércio exterior, sobretudo no médio e no longo prazos, e no aumento das exportações e na redução da dependência externa.
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Os alimentos à base de trigo, como pães, macarrão, biscoitos e bolos, estão presentes em 100% dos lares brasileiros e são fundamentais para a composição da cesta básica da população. A cadeia produtiva do setor gerou um volume de renda (Produto Interno Bruto – PIB) para a sociedade brasileira de R$ 25,3 bilhões, e nos últimos 12 meses o número de postos de trabalho na agroindústria apresentou crescimento de 2,42% (cerca de mais 350 mil empregos), em relação ao período anterior. Isso nos mostra que as questões que envolvem o cereal, como inovação, importação, consumo, produção, segurança alimentar e sustentabilidade, por exemplo, merecem ser tratadas de forma diferente e prioritária e que precisamos aproveitar este momento de mudança no cenário político nacional para propor caminhos que gerem valor para o setor e para toda a sociedade.
O trigo é o único grão em que a produção nacional não é suficiente para o abastecimento doméstico. Em 2018, os moinhos brasileiros processaram 12,1 milhões de toneladas de trigo, dos quais cerca de 55% são importados. A importação do produto está concentrada (aproximadamente 87%) no fornecimento da Argentina. Estados Unidos, Paraguai, Canadá, Uruguai e, mais recentemente, Rússia completam o quadro de exportadores. O Brasil exporta pequena quantidade do produto (de baixa qualidade) para alguns mercados asiáticos. Do ponto de vista da indústria, quanto mais oferta de trigo o mercado puder absorver, melhor. A competição deve ser estimulada.
O principal entrave para o crescimento do setor é a falta de políticas estratégicas para o desenvolvimento da cadeia produtiva do trigo, que se inicia com o fornecimento de insumos, passa pela produção agrícola nacional, pelos moinhos e pela indústria de transformação.
O objetivo central da proposta de uma política nacional para o trigo é o de aumentar a produção interna, reduzir a dependência do Brasil em área tão estratégica e possibilitar uma variedade maior de sementes, sempre preservando o livre-mercado. A eventual autossuficiência não deve ser utilizada para fechamento do mercado, mas, sim, um fator para estimular a competição interna e aumentar a exportação do produto para o mercado internacional.
As sugestões apresentadas seguem uma linha moderna sintonizada com as mudanças que os mercados nacional e internacional vêm sofrendo. Têm foco na inovação, no crescimento da competitividade das empresas brasileiras e na qualidade dos produtos entregues a um consumidor cada vez mais exigente.
O documento está baseado em eixos estratégicos (ambiental legal, produção, ambiente de negócios, revisão dos incentivos fiscais, comércio internacional, logística e infraestrutura), discutidos e aprovados nas duas últimas edições (2017 e 2018) do Congresso Internacional do Trigo, promovido pela Abitrigo. Os referidos eixos são acompanhados de sugestões de políticas e medidas concretas discutidas nos encontros com a cadeia produtiva e órgãos técnicos, como a Embrapa.
Num cenário econômico em que os investimentos do setor público e privado diminuem em decorrência do alto déficit nas contas públicas e do baixo crescimento do PIB nos últimos anos, aliado ao alto nível de desemprego, torna-se fundamental o desenvolvimento de ações que tragam um crescimento sustentável de nosso mercado e proponham políticas estratégicas que valorizem nossos produtos e fortaleçam a agroindústria.
A proposta foi encaminhada oficialmente ao Ministério da Agricultura. Recentemente, reuni-me com a ministra da Agricultura, Teresa Cristina, para examinar os principais objetivos e medidas em cada um dos eixos prioritários. A iniciativa da Abitrigo foi bem recebida. A ministra informou que os setores técnicos do Ministério da Agricultura irão analisar o documento e disse estar entusiasmada com a perspectiva do aumento da produção doméstica, com a diversificação da área plantada e da variedade de sementes, no médio prazo, com a geração de empregos e aumento da renda no campo.
Caso a proposta venha a ser efetivamente implantada e uma política nacional do trigo venha a ser executada, o Brasil dará um grande passo para a modernização do setor e a segurança dos produtores, da indústria e de toda a cadeia produtiva.
Fonte: “Estadão”, 09/04/2019