O resultado mais importante da visita do presidente Jair Bolsonaro a Washington, na semana passada, foi a assinatura do Acordo de Salvaguarda Tecnológica (AST), que torna possível o uso comercial do Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão. Com isso se tornam viáveis significativas perspectivas comerciais para o Brasil entrar num mercado anual de mais de US$ 12 bilhões, em especial no de satélites de pequeno porte.
O AST entre o Brasil e os Estados Unidos, proposto inicialmente por Brasília, foi assinado em abril de 2000 pelo governo Fernando Henrique Cardoso, mas foi inviabilizado pelo Partido dos Trabalhadores (PT), como oposição no Congresso Nacional e, depois, como governo.
A principal reclamação do PT era a de que não havia transferência de tecnologia para o Brasil e nossa soberania ficaria afetada porque equipamentos entrariam em território nacional sem interferência das autoridades alfandegárias brasileiras. Além da questão da soberania, criticada ainda recentemente pelo ex-ministro da Defesa e das Relações Exteriores Celso Amorim, as principais objeções do PT ao acordo referiam-se à proibição do uso da receita dos lançamentos no desenvolvimento de veículos lançadores; ao impedimento de o Brasil cooperar com países que não fossem membros do Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis (MTCR, na sigla em inglês); à possibilidade de veto político unilateral de lançamentos e à obrigatoriedade de assinar novos acordos de salvaguardas com outros países. Como foi sempre esclarecido às lideranças do PT, o acordo não é de transferência de tecnologia, mas de proteção de informações confidenciais na prestação de serviços. Todos esses aspectos criticados pelo PT foram agora satisfatoriamente negociados e superados.
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Por minha iniciativa quando chefiei a Embaixada do Brasil em Washington, no segundo semestre de 2003, foi reaberta a negociação com o Departamento de Estado sobre os pontos que contavam com a forte e vocal oposição do PT. O processo avançou, para surpresa de muitos, e as cláusulas de divergência foram eliminadas. Em abril de 2004, as maiores objeções políticas para a ratificação do acordo estavam superadas. O governo brasileiro teria de propor formalmente algumas mudanças menores que seriam aceitas pelo governo norte-americano. Com esses avanços o acordo poderia ser ratificado pelo Congresso brasileiro, mas os governos do PT não deram seguimento ao assunto.
Vale lembrar, ainda no primeiro governo do presidente Lula da Silva, a assinatura de um acordo de salvaguardas com a Ucrânia. Bastante similar ao firmado com os Estados Unidos, o acordo foi submetido ao Congresso e rapidamente aprovado. Apesar de estar em vigor, o entendimento com a Ucrânia não teve nenhuma consequência comercial para o Brasil, em vista das dificuldades econômicas por que passa esse país. Esse foi um dos exemplos de descoordenação do governo petista, pois, sem o AST, o acordo com a Ucrânia não poderia ser levado adiante porque o veículo lançador daquele país precisava de autorização do governo de Washington.
No governo Dilma Rousseff, em 2013, ao final da visita do presidente Barack Obama ao Brasil, e em 2015, durante a visita do então ministro da Defesa, Jaques Wagner, a Washington, houve referências ao interesse de ambos os lados em retomar as discussões sobre o AST, sem nenhuma ação do governo brasileiro nesse sentido. Somente no governo de Michel Temer os entendimentos avançaram concretamente e puderam agora ser completados pelo governo Bolsonaro, atendidas as preocupações de ambos os governos.
O preço dessa atitude ideológica do PT foi o atraso do programa espacial brasileiro por duas décadas. Vitória do partido e prejuízo para os interesses brasileiros.
Apesar do interesse das empresas norte-americanas, as conversações com os Estados Unidos não foram fáceis, pelas preocupações com a não proliferação de veículos lançadores de satélites prevista no programa espacial brasileiro.
O interesse brasileiro é de tornar possível um centro de lançamento competitivo, o que permitirá a entrada do Brasil no nicho de mercado de satélites de telecomunicações e de meteorologia. Não haverá dificuldades internacionais para o estabelecimento da base pelo fato de o Brasil ser membro do MTCR. O tratamento que o Brasil receberá será idêntico ao dispensado a outros países, como a Rússia e a China, que assinaram acordos de salvaguardas com os Estados Unidos.
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A viabilização comercial do Centro de Lançamento de Alcântara e sua atualização tecnológica dependerão de recursos financeiros que virão de empresas que alugarem espaços dentro dele para efetuarem os lançamentos de seus satélites.
A estratégica localização geográfica da base de Alcântara, situada a apenas dois graus de latitude sul, quase na Linha do Equador, permitirá o lançamento de foguetes com 13% de economia de combustível em relação ao consumido em Cabo Canaveral, nos Estados Unidos, e 31% se comparado com Baikonur, no Casaquistão. Mais de 80% dos satélites comerciais são de propriedade de empresas americanas e sem o acordo nenhum satélite poderia ser lançado de Alcântara. A base só poderá tornar-se viável comercialmente quando o acordo de salvaguardas tiver sido ratificado.
Espera-se que o Congresso Nacional ratifique esse acordo no mais breve prazo possível. E que as discussões sejam feitas sem a carga ideológica que tem prevalecido nos últimos 20 anos.
Igualmente importante é que a partir de agora o governo federal acelere e complete as mudanças na governança do setor e defina uma estratégia de longo prazo, que dê previsibilidade às eventuais empresas interessas, não só dos Estados Unidos, mas de outros países, com França, Israel e Japão.
Fonte: “Estadão”, 26/03/2019