*Por Matheus Gonçalves Amorim/ Instituto Líderes do Amanhã
Recentemente, o Conselho Nacional de Justiça lançou uma plataforma[1] de acesso público que permite ao cidadão acompanhar o avanço da judicialização dos litígios no Brasil, com atualizações mensais e parametrização de diversos dados. Uma das novidades é a possibilidade de aglutinar em um único relatório a lista dos maiores litigantes, seja como autor ou réu nas ações, o que nos permite analisar quem são os maiores usuários do sistema de justiça.
Analisando os dados fornecidos pelo último relatório, é possível constatar que o INSS figura como o principal réu, representando 3,87% dos processos em andamento no Judiciário em janeiro deste ano, o que corresponde a cerca de 3,2 milhões de processos. Outros grandes litigantes no polo passivo incluem estados, municípios e a própria União.
Já no polo ativo, é a União que figura como a campeã de ações, sendo responsável por 3,51% dos processos atualmente em andamento no país, algo em torno de 3 milhões. Municípios e governos estaduais também aparecem logo em seguida na lista, com processos relacionados à administração pública, defesa e seguridade social.
Esses dados revelam uma realidade muito preocupante, mas infelizmente já esperada: o Estado brasileiro e suas instituições são os principais litigantes do país e os maiores responsáveis pela superlotação do Judiciário brasileiro.
Basicamente, estamos vendo a manutenção de um ciclo vicioso. A burocracia e a ineficiência do Estado incentivam e provocam o litígio com o cidadão, o que faz com que até questões simples e de fácil solução desaguem no Poder Judiciário.
Por outro lado, o aumento do número de processos suga os recursos do próprio Estado para manutenção do próprio aparato estatal, o que, por consequência, provoca a manutenção de uma alta carga tributária brasileira e faz sobrar cada vez menos recursos para que o Estado invista para aquilo que deveria, inclusive, para melhorar a eficiência e reduzir a burocracia do Estado, e assim por diante.
A manutenção desse cenário demonstra que estamos trilhando um caminho perigoso, não apenas porque escancara a falta de segurança jurídica no país, mas também porque evidencia a ineficiência do nosso aparato legislativo e que o desrespeito aos contratos, obrigações e às próprias leis muitas vezes parte do próprio Estado, o mesmo que deveria zelar por elas.
Logo, essa falta de segurança jurídica e ineficiência estatal afasta o investimento, prejudicando a criação de novos negócios e empregos, além de diminuir o poder de compra da população e a capacidade de geração de riquezas, sem as quais o próprio Estado não terá de onde arrecadar o necessário para manter a inchada máquina estatal. Como se vê, é um efeito extremamente deletério.
Contudo a preocupação com esse cenário vai além, já que aponta para um desrespeito sistêmico pelo Estado, das suas próprias regras, o que é extremamente prejudicial para a democracia e o Estado de Direito.
Isso ocorre, porque se há uma expectativa geral dos cidadãos de que o Estado não respeita suas próprias regras, a população tende a perder sua confiança nas instituições, e isso pode levar a um clima de verdadeira instabilidade social.
Justamente por esse motivo, preocupa-me o fato de esse problema ser tão pouco discutido e, ainda mais, ter sido normalizado a ponto desses dados não trazerem nenhuma surpresa ao cidadão médio.
É necessário que o Estado assuma a responsabilidade pela solução desse problema, investindo em medidas efetivas para reduzir a burocracia e a sua própria ineficiência, além de buscar aprimorar a sua forma de resolução de conflitos. Somente assim, será possível melhorar a segurança jurídica e o desenvolvimento econômico do país.
[1] Disponível em: https://grandes-litigantes.stg.cloud.cnj.jus.br/ Acesso em 11/03/2023.