Há um padrão que se repete em todos os ciclos de intermediação. Ele tem quatro fases: verde contribuição, amarela fragilização, vermelha crise e por último cinza recuperação. A intensidade e duração de cada uma varia de país a país. Em todos, no início do ciclo, os bancos canalizam fundos para o desenvolvimento do país, no final, seu papel é de transferir riqueza dos devedores para rentistas, com prejuízos para o bem estar da sociedade.
A fase verde exige uma construção adequada, o que garante uma relação crédito e Produto Interno Bruto (PIB) elevada e estável. Sua arquitetura é específica para cada sociedade, no desenho de instituições, regulamentações, supervisão, tributação, concorrência e gestão de transformações. Devendo ajustar-se às mudanças na economia, tecnologia, inovações financeiras e dinâmica bancária. Alguns países como Alemanha e Canadá conseguem manter-se nessa etapa, apesar dos vizinhos.
À medida que passa o tempo, os sistemas financeiros têm partes que se tornam obsoletas, vão amarelando. É um processo sutil e demorado, mas é inexorável, há uma fragilização por falta de adaptações. A pressão por lucros aumenta, a percepção de risco diminui, as decisões de tomadores são mais pautadas pela rolagem de dívidas do que por critérios econômicos e banqueiros se guiam mais por considerações sobre liquidez de curto prazo que solvência de longo. Sinais de distorções abundam. A intermediação se desvirtua. Em alguns poucos países são feitos ajustes, na grande maioria, a omissão das autoridades é ampla, geral e irrestrita, afinal, o sistema apresenta sinais de solidez e rentabilidade.
Se ajustes forem feitos, pode-se duplicar a relação crédito/PIB, algo que interessa a todos. Futuro se faz.
Exemplos ilustram essa mudança do verde para o amarelo. No Japão, no início da década de 1980, o sistema bancário impulsionou o milagre; depois, aos poucos, mudou seu papel e inflou a bolha imobiliária que levou à crise. Nos EUA, no começo da década passada, o crédito estimulou a construção civil acelerando a economia; a partir de 2005, distorções como o aumento de empréstimos predatórios e da quantidade de estruturas financeiras inconsistentes eram cada vez mais visíveis. A liquidação do Bear & Stearns foi um sinal de alerta forte, que sequer foi ouvido. O modelo financeiro americano estava fragilizado, mas era lucrativo. O catalisador da crise foi a quebra do Lehman Brothers, mas poderia ter sido qualquer outro.
No Japão, no Brasil de 1999 e em outros países, a trama é a mesma e a atriz principal é sempre a complacência. O colapso pode ser bancário, fiscal, externo ou empresarial, ou uma combinação de alguns deles, simultâneos ou em sequência. Em todos os casos, a estrutura da intermediação, parcial ou total, rui. É a fase vermelha, prelúdio da cinza. O discurso nessa etapa é de atribuir o colapso a problemas no resto do mundo, a ganância de banqueiros, a inevitabilidade de crises e a regulamentação inadequada; as causas principais da crise, que são a arquitetura obsoleta do sistema, a omissão e a má gestão das autoridades, raramente são mencionadas. Um fato a lamentar em todas, é que a tolerância com desajustes vira a matéria prima para as finanças predadoras.
A fase cinza, da resolução, demora tempo e alterações na arquitetura financeira. Os japoneses estão tentando há quase duas décadas, os americanos ainda não acharam o caminho. Há também casos de saídas rápidas de crises. A brasileira de 1999 é uma: a receita do sucesso foi a mudança radical do modelo, com a adoção do regime de metas de inflação, câmbio flexível e responsabilidade fiscal. Outro exemplo é a Argentina em 2001, com o fim do “corralito”, o abandono do câmbio fixo e a renegociação. Nos dois casos, as transformações efetuadas foram fundamentais para uma transição rápida e a retomada do crescimento.
A grande questão é o Brasil atual. É preocupante, pois está amarelando cada vez mais, com um pouco de verde pálido e algumas partes em cinza escuro. Como esmeralda temos a solidez (não a estabilidade) e a rentabilidade do sistema brasileiro, que tem um patrimônio líquido de R$ 450 bilhões, um capital excedente de R$ 70 bilhões para absorver perdas e um lucro de R$ 36 bilhões só no último semestre. Temos também o crédito direcionado com taxa média de 10% ao ano crescendo a 23%, há instituições operando em nichos específicos de forma primorosa e a abrangência do sistema é ampla.
No cinza temos alguns números mostrando indigentes do crédito: o financiamento PF até R$ 5 mil está estagnado nos mesmos R$ 208 bilhões desde dezembro; a inadimplência para aquisição de outros bens PF está em 13%, que quando acrescida dos 8% de atrasos de 15 até 90 dias, mostra que 21% dos compradores de geladeiras, maquinas de costura, etc. não está adimplente – é seis vezes maior que a morosidade média no mundo. Há também taxas médias para conta garantida de 111% e cheque especial de 188%, que indiscutivelmente são insustentáveis.
Na média o sistema está cada vez mais na fase amarela. Um indicador agregado importante é a relação crédito e PIB que está num patamar próximo ao da Bolívia, um nível baixo, considerando a sofisticação da intermediação e o dinamismo da economia brasileira. Está crescendo a uma taxa média de 2% ao ano, o que faria com que demorasse mais de uma década para alcançar nível do Chile hoje, ou 40 anos para ficar na média mundial atual. Amarelando ainda mais o quadro, a taxa está caindo, o que de por si, é outro sinal de alerta forte.
Há outros indicadores de distorções. A oferta de crédito é instável e ineficiente, as taxas cobradas e a composição da oferta de financiamentos são voláteis e as margens são as segundas mais altas do mundo. A inadimplência está alta e subindo. A serventia da intermediação é baixa; uma sondagem do Sebrae mostra que mais de dois terços das empresas sequer busca por empréstimos bancários. Apesar dos sintomas, continua-se negando a realidade. Afinal o sistema é sólido e lucrativo. A miopia impera.
O ponto é que os sinais são de que pode haver problemas, não de que haverá. Se ajustes forem feitos, pode-se duplicar a relação crédito/PIB, algo que interessa a todos, em especial aos bancos que podem ter lucros mais sólidos por mais tempo. Futuro se faz, não se espera.
Fonte: Valor Econômico, 06/09/2011
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