Se você, caro leitor, esteve atento às questões políticas de nosso país nos últimos anos, você com certeza leu, ouviu ou até discutiu o tema deste artigo nas mesas de jantar e nas redes sociais: o Cartão Corporativo. Criado em 2001 e implementado a partir do ano seguinte, o Cartão de Pagamento do Governo Federal (CPGF) tinha como objetivo facilitar o dia a dia da administração pública e de seus servidores tanto no pagamento de bens e serviços, com gastos pequenos e de urgência, quanto com despesas previamente autorizadas. A ideia era facilitar a prestação de contas, ao aumentar a transparência, e conferir maior segurança às operações. No entanto, o que se viu, na prática, foi uma série de escândalos com gastos que ultrapassavam (em muito) o limite permitido, além do uso indevido do cartão, muitas vezes com pequenos caprichos de nossos governantes e até para dispensa de licitações de obras públicas.
Um bom exemplo disso foi a queda da ministra da igualdade racial do governo Lula, Matilde Ribeiro, que chegou a usar seu cartão em free shops, em alugueis sistemáticos de carros e até com gastos durante o seu período de férias. No total, a ex-ministra atingiu a cifra de R$ 171 mil apenas em 2007. Outro caso que ganhou destaque foram os R$ 55 mil gastos com o segurança da filha do ex-presidente Lula em 2008, o que culminou em uma CPI dos Cartões Corporativos que comprovou um aumento de 129% de um ano para o outro, ou seja, em apenas 12 meses, mais do que dobraram os gastos. Esta CPI ficou famosa também pelo vazamento de uma planilha feita pelo Ministério da Casa Civil com os gastos do ex-presidente FHC e de sua esposa Ruth, levando à exoneração do então secretário de controle interno da pasta, José Aparecido Nunes Pires. Seria possível até pensar que, isoladamente, estes valores não parecem tão absurdos, porém quando somados causam um grande prejuízo aos cofres públicos, ou seja, no dinheiro que sai do seu bolso. Para se ter uma ideia, segundo o Portal da Transparência, em 2014, os valores de Cartões Corporativos somados ultrapassaram a cifra de R$ 11 milhões de reais.
O caso Bolsonaro
Apesar das polêmicas envolvendo o famigerado cartão terem sido constantes nos governos Lula e Dilma, o governo de Jair Bolsonaro também se vê em meio a uma série de divulgações de seus gastos com referido benefício. Segundo matéria da revista “Exame”, apesar de defender o fim do Cartão Corporativo no ano passado, nos dois primeiros meses o atual governo já havia dispendido o equivalente a R$ 1,1 milhão, um aumento de 16%. Em seis meses, de acordo com a revista “IstoÉ”, estes valores chegaram a R$ 5,8 milhões. Embora todos estes gastos divulgados pela imprensa sejam verdadeiros, eles escondem duas questões:
1) A diferença entre os gastos do Presidente e da Presidência da República.
2) A diferença entre gastos que são divulgados e gastos que são, a princípio, sigilosos.
Quando realizada a soma total dos gastos, é possível verificar que o governo não gastou mais do que a maioria das gestões anteriores no mesmo período. O fato em questão é que foram as compras sigilosas do governo que ultrapassaram esses valores. Para verificar isto, basta entrar no site do Portal da Transparência, onde é possível gerar um gráfico que demonstra que até hoje os gastos bateram a marca de R$ 6.699.546,89, quando pesquisado apenas o presidente, e R$ 7.142.215,23 quando incluímos a Presidência da República.
Para efeito de comparação, quando acessamos os mesmos valores dos governos anteriores, chegamos aos seguintes números (os dados divulgados correspondem apenas aos anos a partir de 2013, pois não é possível acessar os anos anteriores):
2018: R$ 8.311.365,94
2017: R$ 7.962.456,07
2016: R$ 9.468.656,05
2015: R$ 9.463.960,42
2014: R$ 11.418.931,88
2013: R$ 9.459.429,73
Também colocamos os dados dos “Gastos Gerais” da Presidência e os Gastos Gerais como um todo:
Dados Gerais da Presidência
2019: R$ 7.142.215,23
2018: R$ 8.836.333,72
2017: R$ 9.551.050,04
2016: R$ 14.979.895,23
2015: R$ 10.287.877,54
2014: R$ 11.816.969,22
2013: R$ 10.109.115,76
Gastos Gerais dos Cartões
2019: R$ 86.602.261,35
2018: R$ 186.259.979,04
2017: R$ 231.994.412,04
2016: R$ 219.177.525,21
2015: R$ 88.085.478,56
2014: R$ 235.214.832,69
2013: R$ 131.424.181,69
Qual é a solução para os Cartões Corporativos?
A pergunta que fica é: quais são os limites éticos para o uso do Cartão Corporativo? Afinal, estamos gastando menos e isso é necessariamente bom, porém os gastos sigilosos, que podem ser usados para qualquer coisa, tiveram, de fato, um aumento. A solução para isso é a transparência. Em 2001, quando o cartão foi criado, havia mínimas justificativas para a manutenção do sigilo, mas com a série de escândalos gerados por conta disso, seria preciso rever alguns de seus pontos ou, até, quem sabe, a real necessidade de sua existência.
A verdade é que, na prática, o que temos é uma “falsa transparência”. Um bom exemplo disso se mostra quando acompanhamos os gastos com passagens de avião e seus valores exorbitantes (ver gráficos abaixo). A princípio, pensamos que todos esses gastos devem ser justificados, entretanto estamos diante do oposto: mesmo que todos os dados sigilosos fossem apresentados, não poderíamos ter certeza de que não houve qualquer tipo de superfaturamento ou, mesmo que não houvesse, é impossível precisar que esses gastos sejam tomados com o mínimo de eficiência. O fato é que não há qualquer garantia de que exista fiscalização do funcionalismo público que busque a máxima otimização dos custos e os melhores preços possíveis, tampouco que se negocie estes valores junto aos fornecedores.
Para se ter uma ideia, nos últimos três anos, os gastos com passagens aéreas passaram de um bilhão e, só em 2017, este valor chegou a R$ 300 milhões. Há uma simples pergunta que poderia diminuir alguns desses gastos: por que muitas dessas reuniões não são feitas por videoconferência? Por que não encontrar outros meios mais otimizados do uso da verba pública? Quando o assunto é dinheiro do contribuinte, muitas vezes a opção mais custosa é a mais visada, afinal, tem-se a crença de que esse dinheiro é de ninguém. Além disso, não é raro ver que algumas ideias, à primeira vista tomadas para facilitar a administração pública, se mostram como espaços para verdadeiras farras: jantares caros repletos de refeições que grande parte da população jamais teve acesso, hospedagens em hotéis de luxo e aluguéis de carros caríssimos. Tudo isto pago com o dinheiro dos cofres públicos. A solução é simples: de um lado, boa gestão e economia nos gastos; do outro, transparência para que a população possa acompanhar e fiscalizar passo a passo aqueles que são seus representantes.
2019:
2018:
2017:
💡 Dica do Imil:
Na Página da Cidadania você vai encontrar uma série de sites que podem ajudar no caminho para a melhor atuação do poder público. Com isso, recomendamos que você aproveite esse artigo e cobre do seu parlamentar projetos que tragam mais eficiência para a gestão do seu dinheiro. No site do Congresso Nacional, você pode se manter informado a respeito das atividades de deputados e senadores de todo o Brasil, divulgando os projetos de lei apresentados, discursos, participação em comissões e muito mais. A página também disponibiliza os dados para contato de cada um dos parlamentares, organizados em ordem alfabética, estados e partidos.
Já existe também um Projeto de Lei que visa promover mais transparência em todo o processo de gastos com Cartão Corporativo. Clique e fique por dentro!