Esqueça, por um momento, a mentira descabida no anúncio do presidente Donald Trump de que os Estados Unidos deixarão de isentar Brasil e Argentina das tarifas impostas à importação de aço e alumínio. Nem um nem outro manipulam o câmbio, nem a valorização recente do dólar poderá ser evitada na base do protecionismo.
Pior que o absurdo factual – nada diferente poderia ser esperado de Trump, alguém que mente como respira – é a afronta à lógica, tanto econômica quanto política. Desde que se meteu numa guerra comercial com China, União Europeia e o resto do mundo, Trump alega defender os empregos e a economia americana. Também pretende fazer um agrado nos eleitores daqueles estados críticos do Meio Oeste de que depende para a reeleição em 2020.
Pois bem: as tarifas não lhe trazem nem uma coisa nem outra. No campo econômico elas têm mais custos que benefícios. A tarifas impostas a aço, alumínio e produtos chineses poderão gerar perto de 127 mil empregos num período de três anos nas indústrias protegidas, mas destruirão 1,06 milhão noutras indústrias, em virtude de retaliações e outros custos, segundo análise da Trade Partnership.
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Um exemplo basta para entender a dinâmica perversa trazida ao mercado pelas tarifas. Em julho do ano passado, logo depois do anúncio da primeira onda de tarifas sobre aço e alumínio (e da isenção a Brasil, Argentina e outros países), Trump se viu obrigado a lidar com retaliações que tinham como alvo US$ 27 bilhões de US$ 131 bilhões das exportações agrícolas. Só a produção de soja, dois terços sujeita ao veto chinês, levou subsídios de US$ 12 bilhões para conseguir sobreviver.
No mercado interno, o preço mais alto dos metais afeta todas as indústrias que dependem deles. De um lado, enfrentam a competição de empresas estrangeiras que não pagam tão caro pelo aço e alumínio. De outro, não têm opção senão repassar ao consumidor a alta nos custos.
Como as empresas que compram aço e alumínio geram 80 vezes o número de empregos das que vendem, a economia americana como um todo sai perdendo. Pelas estimativas dos economistas, as tarifas impostas até junho deste ano custarão entre US$ 500 e US$ 1.700 ao ano para cada domicílio americano.
Talvez possa parecer surpreendente, mas até eleitoralmente a imposição das tarifas traz custos para Trump. Num estudo recém-publicado, economistas do Dartmouth College e do Instituto Peterson para Economia Internacional constataram que a guerra comercial foi um “fator significativo para o enfraquecimento do Partido Republicano nas eleições para a Câmara em 2018”.
Os autores verificaram que, as áreas expostas a tarifas retaliatórias, o apoio aos republicanos caiu, sem que os subsídios agrícolas surtissem efeito. “Ao mesmo tempo, não houve ganhos perceptíveis para os republicanos da proteção trazida pelas tarifas do próprio Trump”, escrevem. Pelas contas deles, é possível atribuir à guerra comercial a perda de 5 cadeiras que os democratas tiraram dos republicanos na Câmara. Em comparação, o temor pelo fim do programa de saúde Obamacare interferiu na perda de 8 cadeiras. Ao todo, as duas políticas representaram até 15 dos 40 assentos perdidos.
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Trump não parece se importar com isso, pois seu foco são apenas os estados críticos do Meio Oeste de que depende para a reeleição. Mesmo neles, contudo, as tarifas cobram seu preço eleitoral. Entre os dez maiores exportadores americanos de produtos agrícolas, estão Iowa, Minnesota e Indiana, segundo os dados mais recentes do Departamento de Agricultura. Os três também integram a lista dos maiores exportadores de soja, ao lado de Ohio.
O Brasil tem um sem-número de argumentos para convencer os Estados Unidos a derrubar as tarifas. Nenhum deles será tão persuasivo quanto o dano que elas têm causado à própria economia americana e às ambições eleitorais do próprio Trump.
Fonte: “G1”, 03/12/2019