Lula adentrou o mês de novembro colhendo vitórias e revezes de imenso quilate. Dentre as suas conquistas, a joia da coroa, sem dúvida, é a Prefeitura de São Paulo, uma cidade que, sozinha, gera 10% do Produto Interno Bruto do Brasil e tem o quinto orçamento da República.
Era um sonho inatingível para o PT, que padecia da maldição dos 30%, teto máximo alcançado por seus candidatos em qualquer eleição majoritária. Lula constatou que com essa trupe o partido não chegaria a lugar nenhum.
São Paulo cultiva uma autoimagem de cidade moderna, sem preconceitos. Tanto é que já elegeu para a Prefeitura uma retirante nordestina, um negro carioca, um cidadão com fama de louco e uma sexóloga.
Com sua sagacidade, Lula percebeu que, aos olhos do eleitorado, seu elenco cheirava a mofo. Pior: o discurso eivado de rancor, também. Para escolher o candidato ideal começou por descartar os indesejáveis. Marta Suplicy, Aloizio Mercadante e outros ganharam prêmios de consolação no Ministério e foram assim afastados da disputa.
Ao final desse processe de expurgo, eis que Lula apresentou o seu candidato ideal, Fernando Haddad, o homem que considerou o mais apropriado para enfrentar José Serra. Ninguém conhecia Haddad. Mas isso não representou nenhum obstáculo: já que era desconhecido, poderia ser moldado da forma que melhor conviesse.
Foi um evento inesquecível a sua apresentação inaugural na televisão. O então candidato parecia um super-homem, com poderes para esmigalhar qualquer oponente. Voz vigorosa e assertiva, gesticulação estudada. Acompanhando os seus passos, a sonoplastia cuidava para que soasse um bumbo. Tão grave que fazia a câmera tremer. Não tinha nada que ver com os antigos candidatos do PT.
Pobre do Serra, pensei eu. Ponderado como é, como ele vai lutar contra uma máquina de certezas como essa?
Não deu outra. Haddad venceu de lavada.
Mas a vida de Lula não é feita só de vitórias. Ele acreditava poder dobrar o Judiciário. Mas foi exatamente o oposto que ocorreu no julgamento do mensalão.
Pois bem, nossa Pátria pode continuar se refestelando em seu generoso leito porque agora tem uma Justiça que, se ainda está longe de ser perfeita, ao menos demonstrou celeridade e firmeza quando para tanto foi solicitada. Os réus eram poderosos, em sua maioria ricos, mas nem por isso os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) se deixaram intimidar. Que essa rigidez de conduta frutifique e sirva de exemplo até se tornar norma em nosso país.
Ao ler este artigo, haverá quem me acuse de otimista ou mesmo precipitado. Afinal, a pena da trinca de ouros – José Dirceu, Delúbio Soares e José Genoino – ainda não foi definida e existe também a possibilidade de a presidente Dilma Rousseff se valer de sua prerrogativa presidencial de conceder indultos ou reduções de penas.
No primeiro caso, não seria um comportamento coerente da parte do STF condenar o ex-carequinha Marcos Valério a nada menos que 40 anos de prisão e suavizar para os outros três, que foram considerados os principais mentores do esquema. Quanto à possibilidade de indulto presidencial, é sob todos os aspectos remota. Que motivos levariam a presidente a incorrer em tamanho desgaste perante a opinião pública? Teriam, por acaso, um passado em comum, enfrentando tortura na guerrilha?
Ora, esse passado em comum nunca existiu. Pelo que se sabe dos anos difíceis, dos quatro a única pessoa a sofrer maus-tratos físicos foi a própria Dilma. Delúbio na época não era nada. Dirceu, após gozar a hospitalidade de Fidel Castro em Cuba, viveu pacatamente alguns anos no Paraná sob identidade falsa. Quanto a Genoino, há uma suspeita disseminada de que no episódio da guerrilha do Araguaia ele teria mantido sua integridade física por demonstrar boa vontade nos interrogatórios…
Torna-se, então, altamente provável que essa gente funesta passe ao menos alguns anos na cadeia. E quando eles de lá saírem ainda arcarão para todo o sempre com o estigma de suas condenações. O que seus filhos e netos dirão na escola? De que forma seus vizinhos os tratarão? E quando forem reconhecidos no supermercado ou na saída do cinema e as pessoas sussurrarem em tom de reprovação? Há coisas que são, sim, piores que a morte. A perda da honra, por exemplo. Quando ela se vai, nada mais nos resta.
Os mensaleiros estão sendo abatidos, um após o outro, em absoluto silêncio. E fica no ar uma pergunta que insiste em não calar: a quem interessa ou interessou o crime?
Da maneira como as coisas estão colocadas, procura-se passar a impressão de que os mensaleiros estão todos bilionários. Não parece, no entanto, ser essa a realidade.
O problema não se resume ao açodamento de José Dirceu, que teria tomado a iniciativa de despender recursos de origem ilícita para comprar consciências sem o menor conhecimento de seu chefe. Acaso Lula é um imbecil? Não. A sua surpreendente biografia, a sua brilhante trajetória de vida, tudo isso nos leva a concluir o contrário. Ele é um gênio. Mas um gênio do mal, no meu entendimento.
Confesso ter medo dele. Se o seguirmos, caminharemos todos em direção ao abismo.
Mas, como a nossa Pátria já se encontra engalanada para recebê-lo em clima de festa, resta-nos uma única ponderação: é próprio da natureza humana, quando a sorte parece sorrir-nos, mandar a nossa consciência às favas, fazer pouco de nossos escrúpulos morais. Mas chega uma hora em que as consequências de nossos atos tresloucados se apresentam, e aí já se faz tarde. Tarde demais.
Lorde Byron soube revestir esses trágicos momentos com sublime poesia: “As dúvidas e os morcegos só alçam voo ao crepúsculo”.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 02/11/2012
Sr. Melão,
Seu artigo beira a ingenuidade. Quem ajudou a melhorar a justiça foi justamente o Lula que ao invés de escolher um engavetador no MP escolheu alguém que verdadeiramente trabalha. Sem contar na escolha dos ministros do STF, que julgaram com isenção, sem ao menos pensar em agradecer a Lula por suas escolhas como ministro. Por fim, a sociedade espera a mesma agilidade no julgamento do mesalão mineiro, já esse foi anterior e continua passeandoça. na instâncias inferiores da justi