População sofre com desaceleração da indústria e falta de produtos em supermercados e lojas
CARACAS — Quando o governo chavista anuncia que levou a Venezuela ao posto de país menos desigual da América Latina, que o índice de desemprego é de 4%, ou o salário-mínimo é o maior da região (em torno de US$ 476), deixa de informar sobre a forte tensão trabalhista em andamento no país que, segundo relatos de diversos setores da sociedade, desacelera a indústria e afeta o dia a dia de toda a população.
As principais reclamações são a falta de produtos nos supermercados e nas lojas, assim como de boas oportunidades profissionais. A nova Lei Orgânica do Trabalho, decretada por Hugo Chávez em maio de 2012, afirmam integrantes da iniciativa privada (ainda preponderante no país), vem tornando impossível a demissão de empregados ineficientes e a renovação de quadros de funcionários. Numa das principais produtoras de alimentos do país, a Monaca, o índice de funcionários que simplesmente não aparecem para trabalhar já chega a 40%, segundo levantamento do jornal “El Universal”.
— Os conflitos trabalhistas se aliam a questões como ausência de matéria-prima, restrições no acesso a divisas (falta dólar no mercado) e controle de preços — explica Luis Vicente León, da Datanálisis. — Isso vem provocando grande descontentamento na população, que vê suas liberdades individuais restringidas, assim como as oportunidades.
Aos 21 anos, Oliver Chinea acabou se de formar em Arquitetura. Ele diz que tanto quanto a questão política, “que nos deu um presidente que não foi eleito pelo povo (em referência ao vice de Chávez, Nicolás Maduro)”, está preocupado com a tensão que o movimento bolivariano criou com o trabalho.
— Os muitos empregos criados por Chávez não são de oportunidades, mas de assistencialismo. Quem estuda, ou quer crescer na vida, tem que se mandar para os EUA — diz.
De 1999 a 2012, o quadro de funcionários públicos na Venezuela dobrou, de acordo com o Instituto Nacional de Estatísticas (INE), empregando hoje mais de dois milhões de forma direta. Isso, segundo Jesús Cacique, da Capital Market, sem contar com os mais de três milhões que trabalham para o Estado em missões ou nas brigadas bolivarianas, que entram numa espécie de folha de pagamento paralela. Todos recebem centenas de benefícios que, para especialistas, tornaram o chavismo imbatível eleitoralmente.
— A questão não é sermos contra os benefícios, somos contra abusos e ineficiência. Quando existe um governo que persegue somente um setor, o privado, e usa o público não para produzir bens, e sim ideologia, o que ele faz é aumentar a informalidade e a infelicidade entre os que não dependem e nem querem depender do assistencialismo — afirma Cacique.
Sob Chávez, a informalidade está em 42% — índice altíssimo. A Lei Orgânica também beneficia esse profissional, dando-lhe subsídios para que, nas palavras do cientista político José Carrasquero, ele “trabalhe cada vez menos, deixando toda a sociedade numa situação de qualidade de vida precária”.
Os sindicatos tradicionais, segundo o especialista, perdem cada vez mais poder para os grupos de trabalhadores vinculados ao governo, “cuja clara intenção é sabotar a produção privada, o que leva à falta de frango no supermercado”, diz Carrasquero.
Desde a posse virtual do novo governo Chávez, no último dia 10, tanto Maduro como os principais ministros falam exaustivamente na implementação do chamado Segundo Plano Socialista. Como pode ser lido em www.chavez.org.ve, seus objetivos são claros: até 2019, quando vence o quarto mandato de Chávez, “continuar construindo o socialismo bolivariano do século XXI, na Venezuela, como alternativa ao sistema destrutivo e selvagem do capitalismo e com ele assegurar mais capacidade social, estabilidade política e maior soma de felicidade”. Isso, apesar de a população ter rejeitado, no referendo de 2007, transformar o país num Estado socialista. O setor privado ainda responde por 70% do PIB do país, o que leva os analistas a discutirem a viabilidade do plano.
— Mas os chavistas acham que, ao ganharem a eleição presidencial de outubro, ganharam o aval do povo para isso. Só que o mesmo povo sofre — diz Carrasquero.
Para Cacique, no entanto, se o barril de petróleo continuar cotado acima de US$ 100, “a situação pode perdurar por muito tempo”.
Fonte: O Globo
No Comment! Be the first one.