Nas últimas semanas, o secretário do Tesouro, Arno Augustin, tem afirmado que há, por parte do mercado, um ataque especulativo contra a política fiscal.
De fato, quando olhamos o comportamento de uma medida de risco-país –os juros pagos pelos derivativos de proteção contra ris- co de inadimplência dos títulos soberanos brasileiros, os credit default swaps (CDS)–, nota-se que houve forte elevação desde meados de outubro.
Se compararmos o Brasil com Chile, Colômbia, México e Peru, os CDS de cinco anos pagavam em 16 de outubro, respectivamente, 145, 81, 119, 103 e 127. Na terça-feira passada, dia 12, as cotações eram de, respectivamente, 207, 91, 134, 110 e 138.
A elevação da cotação, ou a abertura dos CDS, como se diz no mercado, foi de 62 pontos para o Brasil, ante 10, 15, 7 e 11 pontos, respectivamente, para Chile, Colômbia, México e Peru.
O CDS representa um seguro contra a inadimplência de uma dívida. Se o CDS custa cem pontos (centesimais), isso significa que, para fazer o seguro de uma dívida de US$ 1 bilhão, por exemplo, ao longo de um ano, o segurado tem que pagar à seguradora US$ 10 milhões, isto é, 1% do valor segurado.
A afirmação do secretário sugere que a abertura dos CDS não se justifica por movimentos nos fundamentos da economia brasileira (ou na qualidade da política fiscal), mas deriva de um ataque especulativo sem base nos fundamentos.
Penso que ocorreu outro fenômeno. É comum no mercado que as percepções mudem de forma descontínua. Novas informações chegam continuamente, e muitas vezes o mercado não atualiza na mesma frequência seu posicionamento.
Chega um momento, porém, em que um acúmulo suficientemente elevado de novas informações, todas na mesma direção, leva a uma reavaliação do mercado, que provoca o chamado “efeito manada”. Cai a ficha de que algo se alterou, e todos passam a atualizar as informações.
Parece que esse foi o caso nas últimas semanas. Tem ocorrido piora contínua da política fiscal desde 2010, pelo menos. Num primeiro momento, o problema não era solvência. O problema era termos inflação muito elevada, sendo necessário ajudar o Banco Central a trazê-la para o ponto central da meta, de 4,5% ao ano.
A política fiscal mais frouxa aumenta a demanda, pressionando os preços e jogando mais gasolina na fogueira da inflação.
A alteração ocorrida recentemente é que, pela primeira vez em muito tempo, o mercado começa a avaliar que, para além da questão da inflação, problemas de solvência pública voltam a rondar o cenário brasileiro, mesmo que com baixa probabilidade. E esse fato é representado pela abertura do CDS da nossa dívida soberana.
A aritmética da solvência é relativamente simples. O crescimento de uma dívida é dado pelo custo de rolagem (ou o crescimento vegetativo da dívida) menos os recursos poupados para pagar parte da dívida. O crescimento vegetativo, por sua vez, é o produto da taxa nominal de juros pelo endividamento total.
Quando se trata de países, os analistas acompanham a dívida com fração do PIB. Assim, a taxa de crescimento vegetativo é dada pela taxa nominal de juros menos a taxa de crescimento do produto nominal. E a poupança para pagamento da dívida é dada pelo superavit primário como proporção do PIB.
O governo tem gasto anualmente 5% do PIB com pagamento de juros para uma dívida líquida na casa de 35% do PIB, o que resulta em um juro médio pago na dívida de 14,5% ao ano (resulta da divisão de 5 por 35). O PIB real cresce 2% e, para uma inflação de 6% ao ano, chega-se a uma taxa de crescimento do PIB nominal de 8%.
Logo, a taxa de crescimento vegetativa da relação dívida-PIB é de 6,5% ao ano (14,5-8,0). Esses 6,5%, ao incidirem sobre uma dívida de 35% do PIB, indicam um crescimento vegetativo anual da dívida de 2,2% do PIB. Ou seja, para que a relação dívida-PIB não se eleve, o superavit primário tem que ser de 2,2% do PIB.
A ficha que caiu no mercado é que não está nada claro como o Tesouro conseguirá produzir primários dessa ordem nos próximos anos. É por esse motivo que o CDS abriu –isto é, a percepção de risco Brasil subiu. Não é um fenômeno puramente especulativo.
Fonte: Folha de S.Paulo
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