Saiu um interessante livro falando sobre como conduzir as políticas fiscais, sob o ditame da austeridade (“Austeridade, quando funciona, quando não”). Neste, os autores, Albert Alesina, Carlos Favero, Francesco Giavazzi, lançaram novas luzes sobre o papel das políticas fiscais, mais austeras que sejam, seus impactos na economia real, na geração de empregos, etc.
O objetivo foi argumentar que não necessariamente uma política fiscal austera impacta negativamente na atividade econômica. Tentaram os autores provar que, nos ajustes, cortes de despesas tenderiam a ser menos negativos do que elevação de impostos.
Tal conclusão se sustentou numa ampla pesquisa empírica, com 16 países desenvolvidos, a partir de uma abrangente pesquisa metodológica em que foram analisados 200 planos de austeridade fiscal, entre fins da década de 1970 e 2014. Em verdade, atores italianos, eles tentaram decifrar também como responderia a Itália a um ajuste fiscal, mesmo reconhecendo seu grau de desenvolvimento, disponibilidade de recursos, etc. Fato é que a Itália, de tempos em tempos, costuma ingressar em crises, dada sua frágil gestão fiscal, com a dívida passando de 130% do PIB, fraca institucionalidade e preocupantes indicadores econômicos e de corrupção.
Este estudo não deixa de considerar, também, que pode não haver espaço suficiente para um programa de austeridade fiscal, “retração orçamentária”, na hipótese da situação da economia do País em análise já ser delicada. Sendo assim, a defesa da chamada “austeridade expansionista” tende a variar de país a país.
Esta parece ser a opinião do Nobel de Economia Keneth Rogoff, afirmando que em países em situação delicada, o ajuste fiscal, via corte de despesas, mais do que elevação de impostos, tende a ser mais negativo ou até mergulhando-os numa recessão ainda profunda. Acham os autores, porém, que “economias grandes, mais eficientes, com um corte orçamentário bem planejado, um governo crível e com boa aceitação, conseguem ser expansionistas no momento seguinte”. Citam exemplos que passaram por estes ajustes fiscais e voltaram a crescer depois, como Áustria, Dinamarca e Irlanda nos anos 80, ou Espanha, Canadá e Suécia nos 90.
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Importante, no entanto, salientar que este tipo de “esforço fiscal”, sem causar maiores impactos na economia, pode ser bem sucedido se o governo que adotá-lo possuir “capital político”. Sendo assim, citam dois exemplos bem sucedidos, no caso de superada a crise de 2008, a Irlanda e o Reino Unido.
Importante ponderar, no entanto, que este debate não se esgota, como sempre acontece no que se referem à políticas públicas. Alberto Alesina e Silvia Ardagana, por exemplo, argumentam que “importante é saber qual o melhor padrão de ajuste”. Já Arjun Jayaden e Mike Konczal, em “The Boom not the slump: the right time for austerity”, chegam a conclusão que os países não podem reduzir seus déficit em situação recessiva, tendo-se em mente, que a arrecadação ingressa numa espiral de queda e o corte das despesas acaba politicamente limitado.
Há de se considerar também que muitos países podem não conseguir sair de situações recessivas nestes programas de estabilização ou austeridade.
Há de se observar também como as políticas monetárias operam nestas situações, visto que muitas vezes elas acabam servindo como compensadores para desequilíbrios fiscais excessivos. Quando os indicadores fiscais pioram, o BACEN acaba se vendo obrigado a apertar a política monetária, o contrário acontecendo.
A conclusão é de que a austeridade pode não evitar um mergulho recessivo, mas é importante adequar este ajuste ao momento e saber como deve ser feito, dosando o corte de despesas e o aumento de impostos. Importante salientar a pesagem destes ajustes, maiores nas despesas, menores na elevação das receitas. Parece-nos claro, é obvio, que economias já em recessão não tendem a responder bem a programas de austeridade.
Enfim, austeridade fiscal é tema extremamente controverso.
De um lado, acha-se que pode desencadear “espirais descendentes de crescimento e tornar-se autodestrutivo”. Do outro, defende-se que déficits orçamentários precisam ser enfrentados agressivamente a todo momento e a todo custo.
Deste livro os três autores “cortam o ruído político para demonstrar que não há um tipo de austeridade, mas muitos”. “Se os governos seguissem políticas fiscais adequadas na maior parte do tempo, nós não precisaríamos de austeridade quase nunca”.
Para os autores, “a conclusão é que medidas de austeridade às vezes são necessárias por conta de erros de política passados, ou de uma combinação de erros de política […] e choques negativos inesperados. Esses choques, felizmente, são relativamente raros. Então austeridade é, quase sempre, o resultado de cálculos ruins e gastos excessivos em relação a receitas tributárias”.
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Nossa visão se coaduna com a dos autores, embora seja importante relativizar.
Achamos que um governo, com “capital político suficiente”, cortes adequados e certeiros e alguma cautela no ajuste das receitas, quando estas já elevadas, nos parece algo meritório.
Isso vai de encontro ao debate entre heterodoxos, que, por razões outras, preferem aumentar a carga fiscal, enquanto que os ortodoxos são mais focados no ajuste das despesas, privatizações, adequação de recursos, etc. Parece-nos claro, no primeiro grupo, alguma preocupação em manter parte do seu eleitorado, muitos servidores públicos, preservados, mesmo que as custas de uma menor eficiência alocativa.