O argumento contra a austeridade em momentos de crise fiscal acaba de merecer um apoio insólito: são os austeros que agora defendem o fim da austeridade fiscal. O mundo virou de cabeça para baixo? Pode ser.
A persistência da crise mundial, que entra no seu quinto ano de prolongamento, tem mudado radicalmente o ponto de vista de muitos analistas econômicos com a notoriedade de um Martin Wolf, por exemplo, o respeitado editor de economia do “Financial Times” (FT).
Mas não é só a posição dele, como expressada esta semana na coluna do FT. Outros notórios comentaristas, como é o caso de Jim Gross, o poderoso gestor do Pimco, um dos maiores, senão o maior, fundo de investimentos do mundo, também acaba de levantar sua voz contra a meta de austeridade fiscal perseguida pelos governos de Obama e dos países europeus mais endividados.
Para completar, é o próprio FMI, suposto bastião da ortodoxia conservadora em matéria fiscal quem recorre, por sua diretora-gerente, a francesa Christine Lagarde, a um novo argumento em favor de mais gradualismo na aplicação de medidas de austeridade.
O argumento contra a austeridade vem ao encontro do que tem dito outro colunista famoso, Paul Krugman, entre outros pós-keynesianos que se alinham à tese de ser inútil aos governos procurarem equilibrar seus orçamentos num momento em que a demanda privada está fraca porque as empresas fazem caixa, deixando de investir, e as famílias poupam para reequilibrar seus orçamentos domésticos.
O clamor geral agora é por mais gastos. “Spend money” essa é palavra de ordem. Mesmo que isso signifique mais endividamento dos Estados nacionais. Os ainda defensores da velha austeridade se fecham no silêncio da perplexidade.
As vítimas principais são os economistas Carmen Reinhart e Kenneth Roggoff, que publicaram em 2009 uma obra prima sobre os desastres financeiros da história do capitalismo ocidental, onde calculam um “ponto limite” do endividamento público, em cerca de 90% do PIB de cada país, a partir do qual a dívida do Estado passaria a se tornar um fator de retardo ao crescimento e sério risco à estabilidade financeira pelos encargos de juros em bola de neve.
Ocorre que algumas impropriedades na coleta e agregação do vasto material de pesquisa daqueles autores provocaram suspeição sobre todas as conclusões do livro. Agora, todo o bom recado do livro “This time is different” está prejudicado. É como se nada mais prestasse na obra nem no argumento pró-austeridade.
Qual o risco dessa inversão no princípio de compromisso com uma meta de reequilíbrio fiscal, mesmo de longo prazo? Primeiro, ficar a política econômica sem qualquer âncora teórica. Gastar mais e muito mais, mesmo sem lastro nem arrecadação própria, é uma “licença para matar”.
Nenhum político precisa desse incentivo, menos ainda como justificativa terapêutica para situações de crise. Em segundo lugar, porque as sociedades gastam junto com o Estado e é a soma das duas parcelas que define limites de endividamento com mais precisão para qualquer nação em qualquer situação.
Os novos austeros gastadores não fazem essa conta. Saem detonando o princípio da austeridade genericamente, no que arriscam destruir um conceito longamente sedimentado nas sociedades contemporâneas.
Fonte: Brasil Econômico, 26/04/2013
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