Al Capone, o mais famoso gangster americano, tomava tantas precauções para extinguir vestígios de seus atos criminosos que acabou sendo julgado e preso apenas pelo fato de sonegar o imposto de renda. Luiz Lula da Silva, chefe do grupo que assaltou os recursos do Estado brasileiro quando no poder, também foi condenado pela Justiça apesar do seu cuidado em evitar vestígios de seus atos.
Outros políticos menos precavidos, tais como José Dirceu, Sérgio Cabral, Eduardo Cunha, Paulo Maluf, Antônio Palocci, Jorge Picciani e Antony Garotinho foram mais facilmente encarcerados. E as traquinagens cometidas por membros de vários partidos e por empresários, inclusive íntimos aliados do presidente Temer, continuam sendo investigadas. O anseio nacional é que os condenados pela justiça sejam penalizados.
Em decorrência dos escândalos ocorridos durante sua Presidência e a de Dilma Rousseff, qualquer pessoa provida de um mínimo de lógica só pode chegar à seguinte conclusão: ou Lula é membro da quadrilha e está mentindo ao declarar-se inocente, ou ele realmente não sabia de nada e, portanto, foi um chefe de Estado e líder partidário incompetente. Não existem outras hipóteses alternativas.
Porém, é inegável que a dimensão da liderança exercida por Lula confere ao seu caso um caráter peculiar, referente ao comportamento de um personagem relevante da vida pública em um momento crucial de sua carreira. Isto porque o futuro comportamento do ex-presidente terá consequências sobre o cenário político brasileiro. Sob esse ângulo, é ilustrativo observar a trajetória do líder sul-africano Nelson Mandela após sua prisão em 1962, a despeito das diferenças entre o caráter desses dois personagens e entre os contextos vivenciados pelos dois países.
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Figura proeminente da luta contra o Apartheid, Mandela foi capturado pelo regime racista de seu país, permanecendo em silêncio durante os 27 anos em que esteve enjaulado. Temerosos de possíveis atitudes incendiárias do venerado líder dos negros sul africanos, os governantes não admitiam soltá-lo. Na verdade, era compreensível que ele nutrisse sentimentos de ódio e vingança contra os brancos opressores da população negra.
Para surpresa geral, em 1989 Mandela aceitou tranquilamente negociar sua libertação, pregou a pacificação do país e elegeu-se presidente somente para um mandato. Graças à dignidade de sua postura, o processo de transição sul africano transcorreu de maneira não violenta. Em termos internacionais, Mandela tornou-se símbolo da tolerância política e racial, do desprendimento pelo poder pessoal e da reconstrução democrática de uma nação conturbada.
Apesar do contraste radical entre os motivos do aprisionamento desses dois líderes, seria louvável se Lula, a partir de agora, se inspirasse no exemplo de Mandela. Afinal, esta é sua primeira oportunidade, desde quando lançou-se na luta sindical, de desfrutar de um ambiente sossegado propenso à reflexão e à análise retrospectiva de sua carreira. Ele poderia até iniciar o hábito da leitura, principalmente de história, economia, sociologia, doutrinas políticas e biografia de estadistas.
Se optar por esse caminho, praticar autocrítica e abandonar o discurso de vítima inocente de conspiração golpista, até poderia haver a eventualidade de Lula desempenhar um papel útil na democracia brasileira.