O senador Lindbergh Farias (PT-RJ) desistiu de projeto que conseguira aprovar na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado que atribuiria ao Banco Central (BC) a tarefa de “promover o pleno emprego da economia”.
Mesmo assim, vale apontar a inocuidade da proposta e seus inconvenientes, pois muitos continuarão a defendê-la sob o equívoco de que o BC se preocupa apenas com a inflação. Daí a ideia de imitar aqui o Federal Reserve (Fed) americano, que tem o duplo mandato de “promover os objetivos de máximo emprego, e de preços estáveis e taxas de juros moderadas de longo prazo”.
O projeto arquivado dissertava sobre o óbvio. Qualquer banco central mira a inflação e o desenvolvimento. Esse duplo objetivo integra sua missão mundo afora, com ou sem lei específica. Preserva-se, todavia, a centralidade da inflação no exercício de sua função, que é promover a estabilidade de preços e do sistema financeiro, pré-requisitos essenciais ao desenvolvimento sustentado.
Os bancos centrais agem atentos a um “balanço de riscos”. De modo geral, se há risco para a inflação, a taxa de juros sobe. Se o risco for para o crescimento, assegurada a estabilidade, a taxa de juros cai. Se por algum motivo a inflação sobe demais, a preocupação com o crescimento econômico justifica um tempo maior – geralmente dois anos – para trazê-la de volta à meta, suavizando-se os respectivos efeitos sobre a atividade econômica.
As funções atuais dos bancos centrais são fruto de longo aprendizado, desde quando nasceram os primeiros: o Banco da Suécia (1668), o Banco da Inglaterra (1694) e o Banco da França (1800). Seu começo centrou-se nas finanças públicas. A criação do Banco do Brasil (1808) foi inspirada nessas experiências. Sua missão inicial era suprir moeda divisionária para apoiar o comércio do Rio de Janeiro. Depois, o BB passou a exercer funções de banco central, inibindo o surgimento do BC, que aconteceria somente em 1964.
No século XIX, o Banco da Inglaterra – que era uma instituição privada até 1946 – tornou-se emprestador de última instância para o sistema bancário. Baseado em ideia de Walter Bagehor, o editor da revista The Economist, o banco fornecia liquidez ilimitada, a custos punitivos, para bancos solventes cujos depositantes corressem para sacar seus depósitos. Essa viria a ser a razão básica da criação do Fed (1913).
Durante o padrão-ouro, o controle da inflação decorria do processo de emissão e recolhimento de moeda, que dependia do estoque do metal. Quando este baixava, a contração monetária podia causar elevadas perdas de renda e de emprego. Com o tempo e o fortalecimento dos sindicatos, isso ficou insustentável. O rígido padrão-ouro foi abandonado nos anos 30. A responsabilidade passou para as mãos do banco central. Daí a necessidade de sua autonomia operacional, que virou norma legal nos países ricos e na maioria dos emergentes. O objetivo é impedir o uso político-eleitoral do banco para promover irresponsavelmente o crescimento, à custa de mais inflação.
A ideia de estabelecer o duplo mandato para o Fed apareceu em 1945 com o projeto de uma Lei do Pleno Emprego. O projeto foi inquinado de socialista, diante de seu amplo intervencionismo. A grande justificativa era o retorno dos que haviam lutado na II Guerra, o que poderia elevar o desemprego. O receio se provou improcedente. Aprovou-se afinal a Lei de Emprego (1946) sem os seus excessos. O duplo mandato se tornou explícito em 1977.
O Fed informa habitualmente o Congresso e a opinião pública sobre o cumprimento do duplo mandato, quase sempre enfatizando sua autonomia. É o que se vê no didático discurso de 2007 proferido por Frederic Mishkin, então diretor da instituição. O Fed não sobrepõe o objetivo do crescimento ao da estabilidade.
A rigor, a explicitação em lei do duplo mandato do BC nada mudaria. Poderia, no entanto, estimular pressões políticas para que o banco promovesse a expansão insustentável da economia e reacendesse a fogueira da inflação. Bem fez o senador Lindbergh em desistir, mas é preciso ficar atento a propostas semelhantes.
Fonte: Veja, 30/11/2011
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