A primeira versão da Base Nacional Comum, que pode ser apresentada pelo Ministério da Educação (MEC) hoje ou amanhã, promete mobilizar o meio pedagógico. Apesar de muitos especialistas defenderem a existência do documento para nortear o conteúdo do ensino básico no país, uma pesquisa qualitativa com professores e gestores mostra que a pasta enfrentará oposição, sobretudo, entre docentes do ensino superior. A consulta feita pelo Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), por iniciativa da Fundação Lemann, identificou uma concentração de opiniões contrárias à proposta, principalmente no meio acadêmico. Por outro lado, uma pesquisa quantitativa anterior, também da Fundação Lemann, mostra que 82% dos professores no ensino fundamental são favoráveis.
O MEC vai enviar o rascunho da base curricular para o Conselho Nacional de Educação (CNE). O objetivo do documento é determinar, pela primeira vez, de forma clara e precisa, o que se espera que o aluno aprenda em cada nível de ensino básico. Estima-se que essa base representará algo em torno de 60% do conteúdo que as 190 mil escolas do país (públicas e particulares) deverão passar aos estudantes. Hoje, o ministério estipula apenas parâmetros de ensino que os colégios não têm a obrigação de seguir.
Os outros 40% do conteúdo seriam estipulados pelas próprias instituições e redes de ensino. Desta forma, ficaria preservada a abordagem das diversidades regionais nas escolas.
Críticos defendem autonomia escolar
Para a pesquisa do Cenpec, foram entrevistadas 102 pessoas, entre professores da educação básica, gestores de escolas e professores universitários. O trabalho mostrou que muitos docentes do ensino superior, de diferentes licenciaturas — que formam professores para o ensino básico —, são contrários ao documento por achar que uma escola deve produzir seu próprio currículo, organizando-se a partir do seu entorno, o que seria dificultado pelo documento nacional. Boa parte dos participantes argumentou que a base pode impor uma “cultura dominante”.
O trabalho também mostrou que, embora a favor do banco nacional comum, professores e gestores do ensino básico se sentem distantes das discussões. Segundo a superintendente do Cenpec, Anna Helena Altenfelder, as respostas revelam alertas sobre a maneira como o trabalho vem sendo conduzido. Ela destaca a necessidade de se tornar mais claro o processo.
— Precisamos envolver toda a sociedade. É necessário indicar que projeto de nação está em jogo, a concepção de currículo que será definida, como a diversidade será abordada e qual a autonomia das redes e educadores nesse processo — comenta Anna Helena.
Para chegar ao texto que será apresentado, o MEC instituiu 29 comissões que trabalham na especificação dos objetivos de aprendizagem e desenvolvimento, separados por componente curricular e etapa da educação. Cada grupo é formado por quatro membros, dois originários da educação básica e dois do mundo universitário. O cronograma inicial prevê que a versão final seja aprovada até junho do ano que vem.
— A gente espera que em março já seja possível encaminhar uma proposta final ao CNE, após uma ampla participação da sociedade — explica o secretário de Educação Básica do MEC, Manuel Palácios.
Na última sexta-feira, durante o encontro Educação 360, promovido pelos jornais “O Globo” e “Extra” na Escola Sesc do Ensino Médio, em Jacarepaguá, o ministro da Educação, Renato Janine, disse que o espaço para a regionalização e a multidisciplinaridade serão os pontos fortes da proposta de currículo básico.
— Em princípio, são contempladas quatro grandes áreas do conhecimento: linguagens, matemática, ciências da natureza e ciências humanas. Há pequenas diferenças de abordagem em cada uma, mas o objetivo é que, para cada ano da educação, sejam especificados objetivos — diz Palácios. — Há uma proposta de que os objetivos de aprendizagem da área de linguagem tenham tratamento transversal por todas as áreas de conhecimento.
Entre os críticos, está Luiz Carlos de Freitas, professor titular da Faculdade de Educação da Unicamp. Para ele, a proposta em curso tem por objetivo final avaliar os professores, o que, afirma, pressionaria ainda mais o sistema de ensino.
— O objetivo é ter uma base que permita padronizar as habilidades e competências para poder avaliar nacionalmente os estudantes e professores e, com isso, estabelecer consequências associadas ao domínio ou não destas — afirma. — Além disso, o Brasil tem diversidade enorme: povos do campo, quilombolas, indígenas e outros. Esses 40% reservados a conteúdo local não estão incluídos nas avaliações nacionais da base comum. Portanto, haverá nas escolas um estreitamento curricular em prol daqueles aspectos que são incluídos nas avaliações
‘Escolas precisam do documento’
Por outro lado, uma pesquisa organizada pela Fundação Lemann com mil professores do ensino fundamental da rede pública identificou que 82% deles são favoráveis, ainda que em parte, a uma base nacional comum, ao passo que 93% concordam, em parte ou totalmente, que saber o que é esperado que os alunos aprendam a cada ano facilita o trabalho do professor.
O presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), Eduardo Deschamps, apoia:
— Melhora a formação dos professores e serve para que os diretores organizem a unidade escolar — argumenta. — O avanço do Brasil na educação se dará naturalmente a partir da definição do que é essencial ser ensinado e aprendido, permitindo mais equidade entre as regiões e o acompanhamento por parte dos pais em relação ao que seu filho deve aprender.
A vice-presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Manoelina Cabral, concorda:
— As escolas precisam desse documento porque vai nortear todo o trabalho pedagógico — afirma ela.
Especialistas afirmam que o governo deve se preocupar mais em envolver toda a sociedade na discussão sobre o currículo. O governo lançou um site dedicado ao tema, no qual os interessados podem se cadastrar e obter informações sobre como participar.
— Ainda falta um engajamento real dos professores na construção da base. E isso precisa de um investimento grande, envolvendo sindicatos e entidades. Sabemos que países que conseguem envolver os professores, têm mais sucesso — afirma o diretor da Fundação Lemann, Denis Mizne. — Ainda temos alguns setores na academia e na área da educação que são resistentes. E essas pessoas têm muito a contribuir. Mas quem está no chão da escola já está convencido da importância da base — avalia.
Fonte: O Globo
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