Estive em Nova York na semana passada, onde escutei de uma autoridade econômica que políticas expansionistas são como tequila (ou cachaça) e devem ser tomadas com moderação. Referia-se às políticas excepcionais adotadas pelos países tanto para enfrentar a crise como para revitalizar suas economias posteriormente. Um dia a munição acaba e as consequências aparecem. O adiamento da remoção dos estímulos nos EUA fornece uma janela de oportunidade, talvez a última, para ajustes nas economias emergentes.
No Brasil, a consequência do excesso de políticas expansionistas tem sido a necessidade de adotar políticas mais restritivas (fiscal e monetária), justamente quando as condições financeiras internacionais estão piorando. Não parece haver mais espaço para políticas compensatórias (anticíclicas).
No mundo, a preocupação desde maio tem sido com a consequência da possível remoção dos estímulos monetários e a subida de juros nos EUA. A remoção dos estímulos tende a retirar fluxos de capital das economias emergentes e encarecer o custo de financiamento dos governos e empresas. É a consequência natural da normalização das condições monetárias nos EUA. Mas o surpreendente adiamento dessa normalização das políticas trouxe alívio aos mercados e às autoridades econômicas.
Fico mais preocupado com o adiamento desse processo do que com suas consequências negativas no curto prazo. O prolongamento das medidas excepcionais gera distorções, incentivos para tomada de riscos de curto prazo e possíveis novas bolhas. Uma das distorções é o incentivo a excessos de fluxos de capital de curto prazo para economias emergentes. O leitor deve se lembrar das críticas que essa distorção causou por aqui e em outros lugares. Mas agora a perspectiva é de inversão do sentido desses fluxos, o que está causando apreensão também.
Prefiro que o Brasil e outras economias emergentes enfrentem logo a normalização das políticas monetárias nos países avançados a que permaneçam anestesiadas com as atuais condições excepcionais e corram o risco de um ajuste mais duro no futuro. Um possível ajuste mais forte dos juros, ou o estouro de uma bolha, pode gerar efeitos mais nocivos sobre as economias emergentes (reversão abrupta dos fluxos financeiros, assim como queda da atividade). O ganho no presente é menor do que o risco futuro: que venha logo a normalização.
É bom lembrar que a normalização das políticas econômicas só deve ocorrer quando a recuperação econômica nos EUA estiver em andamento, o que beneficiará o resto do mundo. O FED (banco central norte-americano) não deve começar a normalização das condições monetárias a menos que esteja convencido da trajetória da economia dos EUA. É claro que o novo normal agora é um crescimento mais baixo do que antes da crise, o que pode requerer ainda ajuste das expectativas de alguns.
Mas o adiamento da normalização é uma realidade. Não se espera o chamado tapering (moderação) dos estímulos nos EUA pelo menos até março, e é possível que seja adiado ainda mais. Isso fornece uma janela de oportunidade aos diferentes atores globais. Os investidores não deveriam mais se surpreender com a subida de juros mais longos nos EUA e suas consequências. E as autoridades econômicas têm a última oportunidade para se adaptar a um mundo de juros mais altos e financiamento mais escasso.
No Brasil, essa janela de oportunidade abre espaço para algumas tarefas importantes. Primeiramente é necessário continuar o esforço para trazer a inflação para um patamar que não incomode mais. O ideal seria voltar ao centro da meta de inflação. Realisticamente, no curto prazo o objetivo deveria ser devolver a inflação a um patamar em que se perceba haver espaço na meta de inflação para acomodar choques. Choques podem levar a aumentos temporários na inflação, mas não deveriam ameaçar o cumprimento da meta (ultrapassar seu teto). Eles podem levar a uma depreciação de câmbio, mas não a um rompimento da meta, o que permitiria a adoção de políticas anticíclicas, como a queda de juros.
A flutuação cambial deve ser bem-vinda, assim como a queda dos juros. Para isso não pode ameaçar outros objetivos, como o controle da inflação. Nos outros países da América Latina, a depreciação de câmbio foi vista como parte da reação ao choque, não uma ameaça à inflação. A Colômbia, por exemplo, desejava uma depreciação da sua moeda e viu com bons olhos a nova força do dólar, que surgiu com a normalização das condições monetárias nos EUA. A maioria dos países na América Latina reduziu os juros, neste momento em que suas economias estão desacelerando.
Outra tarefa relevante nessa janela de oportunidade é a retomada da credibilidade fiscal e parafiscal (via crédito público). É necessário sair de perto do abismo do downgrade (diminuição da classificação por parte das agências de risco) com aperto fiscal e parafiscal, neste momento desfavorável globalmente. O objetivo é retomar a credibilidade e, no futuro, a capacidade fiscal anticíclica.
Tudo em excesso parece fazer mal nesta vida. Até mesmo os remédios para combater a crise e a desaceleração das economias. O mundo está chegando perto do fim das medidas excepcionais adotadas nas economias avançadas, bem como dos estímulos nas economias emergentes. O recente adiamento da retirada dos estímulos nos EUA deveria ser visto como uma última janela de oportunidade para preparar a normalização das condições no mundo. No Brasil, a volta da inflação a níveis satisfatórios, bem como a retomada da credibilidade fiscal, é importante para a nova fase mundial.
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