Neste momento em que todo o mundo ainda sofre os efeitos da crise financeira, a moral do capitalismo anda meio por baixo. Mas as duas décadas posteriores à queda do Muro de Berlim marcaram um imenso triunfo da economia de mercado, na sua vertente globalizada.
Não foram apenas bons anos. Foram brilhantes. De 1990 até 2008, o volume do comércio mundial simplesmente triplicou. O produto mundial per capita aumentou duas vezes e meia. Saltou de US$ 3.600 em 1989 para US$ 8.900 em 2008.
Se globalização inclui a circulação de mercadorias, serviços e capitais, a relação é claríssima: mais globalização, mais crescimento da renda. Isso é uma consequência direta da queda do muro, ou seja, do fim da cortina de ferro que dividia o mundo em dois sistemas econômicos.
Caindo as ditaduras comunistas, todos, gostando ou não, convergiram para o capitalismo, nas ideias e na prática. Na medida em que aumentava o consenso em torno das vantagens do livre comércio, caíam as tarifas de importação, por decisão unilateral dos governos ou por acordos internacionais. Assim, essas tarifas caíram de uma média mundial de 30% para menos de 10%, isso no período 1990/2007. O mundo capitalista cresceu com a entrada de milhões de novos consumidores e trabalhadores e tornou-se mais aberto aos negócios.
Não se trata de bolhas, nem de ciranda financeira. Trata-se aqui de produção e circulação de mercadorias, tudo gerando emprego e renda. Cálculos citados pela revista Economist mostram que nada menos que 500 milhões de pessoas deixaram a pobreza nessas duas décadas de ouro. A globalização bombou.
Muitos países ex-socialistas da Europa Central e do Leste cumpriram o ciclo completo. Introduziram ao mesmo tempo a economia de mercado e a democracia, sendo, por isso, admitidos na União Européia, talvez a maior vencedora com a queda do muro.
Mas houve outras combinações, como o capitalismo com regimes mais ou menos autoritários ou ainda um capitalismo de amigos e correligionários, com regime político idem, movido a corrupção. Pensou na Rússia? Pois é, dizem que os russos estão agora se dedicando a estragar o capitalismo depois de terem estragado o socialismo.
Como outros ciclos anteriores de prosperidade, este último também criou suas bolhas. Talvez se possa dizer que, sendo um ciclo especialmente forte — o mundo chegou a crescer expressivos 5% durante vários anos — inflou bolhas imensas e espalhadas.
A crise cobra um preço alto dos neo-capitalistas. Neste ano, vão amargar uma queda média de mais de 6% de suas produções nacionais. A Lituânia, por exemplo, pode perder nada menos que 18% de seu produto interno. Mas a Polônia, uma das primeiras nações a deixar o socialismo e a que cumpriu as reformas mais profundas, na política e na economia, vai conseguir salvar um crescimento em torno de 1%.
Mais importante, entretanto, foi o teor das respostas. Nenhuma força política relevante propõe a volta ao antigo regime. No auge da crise, havia quem acreditasse que a quebra do Lehman Brothers estava para o capitalismo assim como a queda do Muro de Berlim estivera para o socialismo. Hoje, porém, os temas dominantes são a sustentabilidade da recuperação; o momento certo para a redução dos gastos públicos e a elevação dos juros; a ameaça de novas bolhas; a reforma do sistema financeiro.
Sim, há também um amplo entendimento sobre a necessidade de maior intervenção do Estado na economia, mas, convenhamos, isso não é novo. Foi na Alemanha Ocidental, no auge da guerra fria, que se cunhou a “economia social de mercado”, um modelo em que controles do Estado tratam de amenizar desigualdades geradas pelo crescimento capitalista.
Durante todo o século passado, o mundo oscilou entre o capitalismo mais liberal e o mais controlado. O primeiro é mais dinâmico, gera mais inovações e mais prosperidade, cria empregos e renda, mas também aumenta as diferenças de renda entre pessoas e países. Alguns vão muito mais depressa. O outro modelo distribui melhor a renda, mas atrasa o crescimento pelas amarras que coloca à livre iniciativa.
(O Globo – 12/11/2009)
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