Os leilões de petróleo marcados para esta semana consolidam o Brasil como o principal foco de investimentos das maiores petroleiras do mundo. Confirmadas as expectativas de arrecadação no megaleilão e na 6ª Rodada do pré-sal, o país chegará ao patamar de US$ 38,5 bilhões (ou R$ 153,6 bilhões) acumulados em bônus de assinatura desde a retomada dos certames, em 2017, pagos por petroleiras pelo direito de explorar áreas. Isso vai representar, segundo dados da consultoria britânica Wood Mackenzie, 93% de tudo que as companhias gastaram em leilões de petróleo pelo mundo em quase três anos.
O impacto para os cofres públicos e para a atividade econômica é de longo prazo. Com o apetite das petrolíferas, as áreas do pré-sal vão gerar para o governo outros R$ 92,7 bilhões até 2028, considerando apenas a participação da União nas vendas de petróleo. Além da entrada de recursos, a movimentação em torno da retomada da cadeia de óleo e gás aumenta as perspectivas de recuperação da economia do Rio, maior produtor nacional, com a atração de empresas, cursos de capacitação e geração de empregos.
Longe dos conflitos do Oriente Médio, o pré-sal já responde por mais da metade da produção nacional e ajudou a Petrobras a bater a marca dos três milhões de barris diários. A mudança de patamar já está no radar das empresas. Para os dois leilões desta semana, que vão oferecer nove áreas, há 18 petroleiras habilitadas, segundo a Agência Nacional do Petróleo (ANP).
Mudança de patamar
Na semana passada, o Brasil foi convidado pela Arábia Saudita a participar da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), que reúne os maiores do setor. Se, do ponto de vista econômico, a mudança pode não interessar ao país, em razão da possibilidade de cortes na produção, entre outros aspectos citados por especialistas, não deixa de ser um retrato da ascensão brasileira na indústria global de petróleo. Com os leilões, o país tem a perspectiva de se tornar o quinto maior produtor mundial.
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Um dos aspectos que justificam o interesse das petroleiras no pré-sal, segundo Marcelo de Assis, chefe de pesquisa de Exploração e Produção da Wood Mackenzie na América Latina, é a alta produtividade, com poços que geram mais de 45 mil barris por dia.
O megaleilão marcado para quarta-feira deve gerar a maior arrecadação da história do setor em todo o mundo. Caso todas as quatro áreas sejam arrematadas, o pagamento de bônus fixo chegará a R$ 106 bilhões. Deste total, R$ 69,9 bilhões já estão garantidos, pois a Petrobras exerceu o chamado direito de preferência — garantiu previamente seu interesse. A estatal fará propostas em parceria com outras petroleiras, afirmou Roberto Castello Branco, presidente da Petrobras, na última sexta-feira.
Na 6ª Rodada, o valor previsto é de R$ 7 bilhões, caso todos os blocos sejam arrematados. Do total, a Petrobras (com sócios) informou que vai fazer ofertas por três áreas, garantindo arrecadação de R$ 1,845 bilhão.
O regime de partilha — criado por causa da descoberta do pré-sal — determina que as petroleiras dividam com a União parte do óleo produzido após descontar os gastos com a sua extração. No jargão do setor, é o chamado óleo-lucro. No leilão, é definido um patamar mínimo a ser compartilhado com a União, e ganha quem oferecer o maior percentual. No megaleilão, o mínimo vai de 18,15% a 27,88%, dependendo da área.
Segundo Assis, os dados indicam que há, em cada área, de 2 a 5 bilhões de barris recuperáveis de petróleo.
— São áreas com uma qualidade que dificilmente é colocada no mercado mundial. Por isso, o Brasil concentra a arrecadação dos valores pagos nos leilões no mundo, mesmo tendo ocorrido certames em 14 países nos últimos anos, como EUA, México, Rússia, Argentina e Egito.
`Para Décio Oddone, diretor-geral da ANP, que vê uma mudança de patamar na indústria após os leilões, as mudanças regulatórias foram cruciais para o setor. A Petrobras deixou de ser a operadora única de todos os campos do pré-sal e não tem mais obrigação de disputar todas as áreas. Além disso, foram flexibilizadas as regras de conteúdo local, o patamar mínimo de insumos de fabricantes nacionais.
— O interesse no pré-sal pelo mundo ocorre por causa da qualidade dos ativos e das mudanças regulatórias, o que tornou o investimento atraente. Seremos um dos cinco maiores produtores no fim da década. Está aberto o caminho para um novo patamar. Esperamos investimentos de R$ 1,8 trilhão e entre 50 e 60 novas plataformas — diz Oddone.
Ainda assim, Assis avalia que as empresas podem fazer ofertas conservadoras no megaleilão, com lances que não fiquem muito acima do percentual mínimo definido:
— Todos sabem fazer contas. As companhias estão com forte disciplina de capital, projetando petróleo entre US$ 60 e US$ 65.
Mesmo considerando apenas a oferta mínima no certame, o governo levantaria, em 2028, R$ 20 bilhões somente com a venda de petróleo das áreas leiloadas no megaleilão, segundo estimativa da PPSA, estatal criada para gerir contratos de partilha do pré-sal.
Esses campos devem iniciar a produção já no fim de 2021, diz a PPSA. Quando se inclui na conta o volume esperado com a venda de petróleo nos outros 14 contratos de partilha no pré-sal já fechados, a receita com as vendas chega a R$ 92,7 bilhões até 2028.
— Nossa estimativa é conservadora, tendo como base o óleo-lucro mínimo. Com os leilões de novembro, os recursos vão crescendo e dobram em 2028 em relação à nossa estimativa anterior. Em vez de 250 mil barris só para a União em 2028, poderão ser 500 mil barris — prevê Eduardo Gerk, presidente da PPSA.
Petrobras vai vender óleo
A venda desse petróleo vem sendo feita através de leilões organizados pela PPSA. Segundo Gerk, até o fim do ano serão concluídas as negociações para a Petrobras se tornar a comercializadora desse óleo para a União.
— Como vão entrar muitas operações, não faz sentido fazer apenas leilões. Por isso, vamos ter uma definição sobre o processo de venda do petróleo até o fim do ano. É um dinheiro que entra direto no caixa do Tesouro Nacional. Os recursos vão para educação, área social e saúde através do Fundo Social— explica Gerk.
O deputado federal Fernando Coelho, ex-ministro de Minas e Energia, lembrou que as mudanças nas regras do setor recolocaram o Brasil no mercado mundial de óleo e gás:
— Diante dos grandes produtores, o Brasil é um ambiente estável e porto seguro para os investidores e empresas de petróleo. Mas ainda há desafios, como a melhoria no processo de licenciamento e a redução de burocracia. Somos uma das bolas da vez.
Segundo Edmar Almeida, do Instituto de Economia da UFRJ, o modelo do leilão, baseado em bônus elevados, permite ao governo antecipar receitas futuras como forma de amortecer o impacto fiscal:
— Se esse bônus fixo fosse menor, poderia haver mais competição e mais arrecadação a longo prazo.
Regime ainda visto com ressalvas
O regime de partilha, criado para a exploração do pré-sal, já foi chamado de “jabuticaba” pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e costuma ser visto com ressalvas por boa parte dos especialistas. As críticas destacam a maior burocracia e a elevada concentração de recursos pelo governo.
Apesar da arrecadação maior com a venda de óleo ao longo da vida útil do campo, já se estudam mudanças, permitindo que áreas no polígono do pré-sal possam ser feitas sob concessão. Hoje, só o regime de partilha pode ser usado.
Na partilha, a União é a dona do petróleo, e as empresas têm de ceder parte da produção (óleo-lucro) ao governo. Na concessão, as petroleiras são as donas do óleo.
Marcelo de Assis, chefe de pesquisa da Wood Mackenzie na América Latina, lembra que, na partilha, a participação do governo pode chegar a 90%, mas a lucratividade das petroleiras pode ser menor:
— A partilha só funciona em grandes áreas, com reservas recuperáveis entre 2 bilhões e 3 bilhões de barris.
A partilha passou por mudanças desde o governo Michel Temer. A Petrobras deixou de ser obrigada a operar em todas as áreas do pré-sal, mas ainda tem o direito de preferência para escolher quais áreas têm interesse, regra em discussão no Senado. Para Edmar Almeida, do Instituto de Economia da UFRJ, as diferenças entre partilha e concessão estão cada vez menores:
— É legítimo discutir o futuro do regime, hoje usado em países da África onde o Estado não tem recursos para desenvolver as reservas. Aqui, esse regime foi concebido por questão ideológica e tende a aumentar a burocracia.
Para Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), acabar com a partilha é complexo, pois há geração maior de recursos para o governo a médio e longo prazos, embora o modelo concentre a renda na União.
Fonte: “O Globo”