Há pouco mais de 30 anos o então deputado Ulysses Guimarães, presidente da Assembleia Constituinte, promulgava a Constituição Federal de 1988. Ao discursar, Ulysses reconhecia que “não é a Constituição perfeita” e que ela própria admitia ser emendada. Mas desde que a Carta foi aprovada surgiram embates por alterações em seus 250 artigos permanentes, além dos 114 descritos nas disposições transitórias.
Entre 1988 e 2017 foram 21.499 propostas de modificação de artigos da Constituição e 105 alterações aprovadas pela Câmara e pelo Senado.
O livro “Três décadas de Reforma Constitucional — onde e como o Congresso Nacional procurou modificar a Constituição”, que será lançado pela editora da Fundação Getulio Vargas este mês, mostra que as alterações propostas desde 1988 estão concentradas em aproximadamente 30% da extensão do texto constitucional. A pesquisa mapeou 5.142 Propostas de Emenda Constitucional (PECs).
— As propostas se concentram em alguns pontos. O nosso sistema é muito vivo. A sociedade brasileira representada no Congresso ainda parece ver muito espaço para mudar a Constituição — afirma Pablo Cerdeira, professor de Direito e um dos autores do livro.
Quando os pesquisadores avaliaram quais artigos da Constituição tiveram mais pedidos de mudança, identificaram que entre os quatro primeiros estão alguns dos que falam, essencialmente, da organização do Estado, poderes e direitos políticos. O que mais recebeu propostas de alteração desde 1988 é o parágrafo 5º do artigo 14, que trata da permissão para concorrer à reeleição. Ao todo, só para alterar esse trecho, foram 101 propostas.
Regras do “jogo político”
Para o pesquisador Fábio Vasconcellos, cientista político e outro autor da obra, a explicação para o grande número de tentativas de modificação em artigos tidos como “regras do jogo político” mostra que o assunto não está pacificado na classe política e na sociedade.
— Não existe nenhuma eleição no Brasil desde 1988 onde as regras são as mesmas. Tem sempre alguma alteração de propaganda ou de tempo. Existe um debate sobre as regras do jogo. Elas não se estabilizaram ainda. Isso de certo modo é ruim, não se criam ciclos estáveis de disputa — avalia Vasconcellos.
O segundo artigo da Constituição mais acionado para mudanças é o de número 159, no trecho em que é tratado como devem ser distribuídas as verbas oriundas do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados entre municípios, estados e Distrito Federal. Foram formuladas 84 propostas de alteração e, até o momento, quatro mudanças que alteram valores em prol dos municípios terminaram aprovadas.
Em sequência, despontam pedidos de modificação no artigo que trata da eleição de governadores, e o que aborda o tamanho do mandato do presidente da República. Esses dois dispositivos tiveram, respectivamente, 80 e 78 pedidos de mudança.
Segundo os pesquisadores, as maiores taxas de modificação na Constituição foram verificadas em seções que tratam do Judiciário e também das competências dos municípios.
— Temas sobre a seção do Supremo Tribunal Federal e também disposições gerais do Poder Judiciário e também do Processo Legislativo. Isso veio muito por causa da emenda 45 que mexeu bastante — explica Rogério Sganzerlla, terceiro autor da pesquisa e professor de Direito, ao mencionar a emenda que fez a chamada reforma do Judiciário.
Aprovada em 2004, a PEC criou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e centralizou o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário.
Os pesquisadores calcularam ainda onde ocorreram as maiores expansões da Constituição. Cresceram as seções que falam de Cultura (257%), que foi de 14 para 50 artigos, e Forças Armadas (200%), de 5 para 15.
— Diversos temas aumentaram muito, o que é desproporcional em relação ao resto — afirma Sganzerlla.
Contenção no congresso
Ao mesmo tempo, porém, os dados também refletem o quanto o Congresso Nacional reteve as tentativas de alteração. Do total de mais e 5 mil PECs, 105 foram aprovadas, o que representou um aumento em 23,4% do texto constitucional. Fábio Vasconcellos explica que o baixo número de aprovações frente ao total de tentativas é um dado positivo.
— O Legislativo também funciona como um lugar de contenção. O quórum para aprovar emenda é mais difícil e isso foi algo que lá em 1988 o constituinte pensou, que a Constituição tinha que ser algo perene — argumenta Vasconcellos.
Novas emendas no horizonte
Prioritárias para o Executivo e o Legislativo, quatro propostas que tramitam na Câmara e no Senado podem ser votadas ainda este ano:
Previdência
Entregue ao Congresso pessoalmente por Jair Bolsonaro, a proposta para reformar o sistema de aposentadorias é considerada a prioridade tanto do Executivo quanto do Legislativo em 2019. Entre as principais alterações previstas está a idade mínima para aposentadoria — 65 anos (homem) e 62 anos (mulher), de forma gradativa. Parlamentares e integrantes do governo estimam que o projeto seja votado no plenário da Câmara entre o fim do primeiro semestre e o começo do segundo e, em seguida, passe ao Senado.
Orçamento impositivo
A PEC torna obrigatória a execução de emendas parlamentares de bancada e também de despesas destinadas a serviços prestados à população, e reduz o poder do governo sobre o Orçamento. A proposta contraria a ideia defendida pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, de desvincular e desindexar totalmente os gastos do governo. Em março, foi aprovada em dois turnos, no mesmo dia, no plenário da Câmara e seguiu para o Senado, onde sofreu alterações. Por isso, deverá voltar à apreciação dos deputados.
Segunda instância
O texto altera um inciso da Constituição para estabelecer que ninguém será considerado culpado até a “confirmação de sentença penal condenatória em grau de recurso”, e não até o “trânsito em julgado”. O Supremo Tribunal Federal (STF) entende, desde 2016, que a pena pode começar ser cumprida após a condenação na segunda instância. Diante da previsão de que os ministros do Supremo revisem essa questão, o Congresso pode decidir modificar antes a legislação.
Reforma Tributária
A equipe econômica do governo Bolsonaro prepara um texto para apresentar ao Congresso, em maio, que modifica o sistema de tributação. Um dos planos em estudo é a adoção de um imposto único sobre movimentações financeiras, que incidiria sobre todas as transações e substituiria outros tributos.
Fonte: “O Globo”