Dyogo Oliveira, que assume hoje a presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, vai mudar todos os processos internos decisórios da instituição. Terceiro presidente em menos de dois anos, o ex-ministro do Planejamento quer conduzir a “virada” do BNDES para uma nova realidade da economia com juros baixos. Na sua avaliação, o banco ainda é muito “quadradão” e precisa oferecer novos produtos. “O BNDES não foi desenhado para competir com o mercado”.
Estadão – O que sr. vai fazer para mudar a paralisia do BNDES?
Dyogo Oliveira – A área de infraestrutura tem de se modernizar. Precisa ter, ao menos, estruturas de financiamento “non recourse”, que usam como garantia a própria estrutura do projeto. Facilita a execução do projeto com os próprios recebíveis. Vamos atuar também por meio do mercado de capitais comprando debêntures e operações sindicalizadas. O banco não está parado. Desembolsou R$ 70 bilhões em 2017. O BNDES enfrenta dificuldades e é preciso uma série de ações para restabelecer a normalidade. Tem de revisar os processos internos, a maneira como as operações são organizadas e aprovadas, reduzir os prazos. Os modelos de financiamento têm de ser mais flexíveis. O banco ainda é muito quadradão: “o meu negócio é assim que funciona, se você quiser você pega”.
Estadão – Qual sua prioridade?
Dyogo Oliveira – A parceria com o setor privado. Vamos facilitar a utilização de recursos privados nos projetos. No foco de ação, colocamos inovação, tecnologia, desenvolvimento de novas empresas, negócios, as pequenas empresas – porque nesse mercado o banco tem ainda vantagem, o custo das empresas é vantajoso e tem espaço para avançar –, a infraestrutura e a área de comércio exterior.
Estadão – Sua gestão vai ajudar a privatizar a Eletrobrás?
Dyogo Oliveira – O BNDES tem papel fundamental, que é conduzir o processo. Vamos dar prioridade à Eletrobrás, começando pelas distribuidoras (o leilão das seis distribuidoras de energia administradas pela Eletrobrás está marcado para maio).
Estadão – Qual é o grau de importância desse processo?
Dyogo Oliveira – A privatização da Eletrobrás é a oportunidade de o País passar a ter uma empresa de classe mundial na área de energia. Hoje temos uma empresa descapitalizada, que não está participando nem dos leilões aqui no Brasil, sem perspectiva de investimentos no curto prazo, com dificuldades gerenciais e administrativas, nível de endividamento elevado. É uma empresa em dificuldades. O modelo de privatização, que é na verdade uma capitalização da empresa, pressupõe trazer dinheiro para ela voltar a investir.
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Estadão – Dá para fazer ainda este ano?
Dyogo Oliveira – Vamos trabalhar para isso.
Estadão – Por que o banco não fez nenhuma captação externa até agora?
Dyogo Oliveira – Ele está com o caixa cheio.
Estadão – Com a queda dos juros, as empresas começam a antecipar pagamento de dívidas. Qual o impacto disso para o banco?
Dyogo Oliveira – Qual empresa pode fazer isso? Uma relativamente grande, com acesso a mercados de capitais e financiamento mais barato. Essa empresa, em princípio, não deveria ter financiamento do BNDES.
Estadão – E quais deveriam ter acesso a esse financiamento?
Dyogo Oliveira – As que não têm acesso ao mercado de capitais barato, nacional e estrangeiro.
Estadão – Foram as que tiveram acesso aos recursos nos últimos anos?
Dyogo Oliveira – O BNDES não foi feito para isso. Desvirtua seu papel. Se a empresa pode ter financiamento no mercado, não faz sentido. Não vejo problema de as empresas estarem pré-pagando as dívidas. O que era um problema era as empresas pegarem dinheiro no BNDES para aplicar no mercado e ganhar mais. Isso ocorreu em volumes consideráveis.
Estadão – As chamadas “campeãs nacionais” não vão ter mais acesso a esse crédito?
Dyogo Oliveira – Não estão proibidas. Mas o foco não pode ser esse.
Estadão – Como será a atuação no segmento de infraestrutura, em que há mais dependência do crédito do BNDES?
Dyogo Oliveira – Essas empresas precisam de 20, 30 anos de prazo, e não conseguem captar isso no mercado facilmente. O BNDES pode ser o dínamo do mercado de debêntures de infraestrutura, estruturar as operações no formato que seja securitizável (ou seja, com financiamentos garantidos pelo caixa futuro da operação). O banco vai passar por uma grande mudança cultural. O formato de atuação até hoje é diferente do que vai ter daqui para a frente. O grande trabalho será convencer as pessoas dessa mudança e fazer com que comprem esse novo BNDES. Isso não é trivial. O banco tem de se reinventar. Esse é o grande desafio que vai durar os próximos cinco, dez anos. O banco não vai morrer, vai fazer uma transição. Vai passar a atuar em outras áreas como dinamizador da inovação, da tecnologia, do investimento. Vai atuar de maneira mais ágil e flexível, adaptado à necessidade do seu cliente. Vamos lançar mais produtos.
Estadão – Como o BNDES vai enfrentar os bancos privados?
Dyogo Oliveira – O banco vai trabalhar em parceria com os privados. O BNDES não foi desenhado para competir com o mercado. Em algum momento, o BNDES se expandiu de tal maneira que expulsou o mercado. A ponto de as empresas pegarem dinheiro no BNDES para aplicar. O princípio tem de ser atender a uma necessidade do País que não está sendo atendida de outra maneira. Competir com o mercado é estupidez.
Estadão – Mesmo com devolução de mais de R$ 100 bilhões ao Tesouro Nacional, ainda restarão recursos que estavam sendo renegociados. O sr. vai continuar esse processo?
Dyogo Oliveira – A maior parte dos recursos está emprestada ou aplicada nos projetos das empresas. É preciso coadunar esse fluxo de pagamentos com a devolução dos empréstimos ao Tesouro. O BNDES já devolveu valores e ainda tem mais R$ 100 bilhões para devolver este ano. Daí para a frente, tem de haver equilíbrio entre o fluxo de devoluções para o Tesouro e o fluxo de pagamento das operações.
Fonte: “O Estado de S. Paulo”