A taxa de câmbio é um importante preço relativo que influencia o fluxo de renda e a alocação de recursos na economia. Além disso, a taxa de câmbio pode ser válvula de escape ou colchão de proteção da economia a choques. As depreciações cambiais, como a atual causada principalmente pelo quadro externo, podem ajudar na correção de trajetórias domésticas. A depreciação cambial não gera mais crescimento econômico de longo prazo. No entanto, no atual contexto da economia brasileira, o Real mais fraco poderá ajudar a tirar a economia da atual letargia, mas sob a condição de uma política econômica austera.
Os setores denominados “tradable” ou de bens comercializáveis – que são aqueles cujos preços são mais influenciados pelos preços internacionais denominados em moeda local do que pelas condições internas de oferta e demanda – são beneficiados com a elevação da taxa de câmbio, em detrimento de setores “non-tradable”. O ganho pode se dar pelo aumento de exportações, possivelmente em valor e volume, com aumento de “market-share” no mercado internacional, e redução de importações, que são substituídas por produção local.
Na experiência brasileira, ainda que a taxa de câmbio não seja o principal condicionante das exportações – sendo estas mais sensíveis às condições de demanda externa -, não deixa de ser uma variável relevante. É interessante notar que a depreciação da taxa real efetiva de câmbio (considera uma cesta de países e desconta o diferencial de inflação do Brasil) desde 2011 coincide com o aumento, ainda que moderado, do coeficiente de exportação da indústria de transformação. Segundo a CNI, em 2014 este coeficiente estava em 15,6% ante 13,6% em 2010.
O efeito do câmbio sobre as importações se mostra mais relevante (maior elasticidade-preço da demanda). No entanto, mais importante que a taxa real efetiva de câmbio é a razão salário-câmbio, ou o salário em dólar. No Brasil, há elevada correlação entre os salários da indústria em dólar e o coeficiente de penetração das importações (ou alternativamente a razão entre volume importado e produção industrial). A depreciação cambial real por si só ajuda a elevar a competitividade dos produtos locais, mas é essencial que ela seja acompanhada pela queda do custo da mão-de-obra em dólar.
Na experiência brasileira recente, o aumento de salários na indústria acabou praticamente neutralizando o efeito da correção do câmbio desde 2011, pois os salários em dólar pouco cederam. Desta forma, a depreciação cambial em termos reais não se traduziu em qualquer recuo do coeficiente de importação, que está no pico da série, em 21,9% do consumo aparente para a indústria como um todo, ante 16,3% em 2005.
O efeito da depreciação cambial sobre a indústria não é uniforme, e depende da sensibilidade (elasticidade) das demandas interna (importação) e externa (exportação) de cada setor ao câmbio.
A produção da indústria extrativa, por exemplo, é pouco sensível às oscilações da taxa de câmbio, ainda que não sua rentabilidade. Os volumes de importações e exportações são praticamente determinados pelas condições da demanda interna e externa, respectivamente, sem grandes oscilações nos coeficientes de exportação e de penetração de importação.
Pelo lado das exportações, setores da indústria de transformação que combinam coeficiente mais elevado de exportação e maior sensibilidade ao câmbio tendem a ser os mais beneficiados pela alta do dólar. É o caso de alimentos (coeficiente de exportação está em 21% ante 27% no pico de 2004), couros e calçados (26% ante 42%), madeira (23% ante 56%), máquinas e equipamentos (18% ante 31%) e em alguma medida, metalurgia (30% ante 35%).
Alguns setores sofreram ao longo da última década expressiva queda do coeficiente de exportação, a ponto de estas, praticamente, deixarem de ser relevantes para a dinâmica do setor, podendo haver algum espaço para recuperação. É o caso, por exemplo, de têxteis (11% ante 18%), equipamentos eletrônicos (5% ante 22%), móveis (5% ante 23%) e em alguma medida automóveis (13% ante 26%), que no caso também sofreu muito com a crise argentina.
Não é um caminho fácil, no entanto. Setores que ficaram muito isolados do comércio mundial e reduziram investimentos podem sofrer o efeito de histerese, sem a reação esperada pela alta do dólar, mesmo considerando as usuais defasagens temporais, em função da distância em relação à fronteira tecnológica. Elevar exportação pode ser mais difícil que conter importações.
Reverter a alta do coeficiente de importações é tampouco tarefa simples, sendo crucial garantir disciplina fiscal e monetária para que se evitem aumentos salariais reais acima de ganhos de produtividade.
Do lado das importações, os beneficiados pela alta do câmbio poderão ser os setores cuja demanda é mais sensível a preços, e que naturalmente sofreram mais com a apreciação cambial da década passada. Vale citar os têxteis (coeficiente de penetração de importações de 19% ante 9% em 2003), vestuário (12% ante 3%), couro e calçados (10% ante 5%), fármacos (38% ante 25%), borracha e plástico (15% ante 9%), metalurgia (18% ante 9%), produtos de metal (14% ante 7%) e veículos (21% ante 12%), e em alguma medida máquinas e equipamentos (37% ante 30%).
Neste contexto de ganhos da indústria, convém reavaliar as políticas setoriais conduzidas nos últimos anos. A recomendação do uso de desonerações, isenções e proteções a setores para compensar o efeito do câmbio apreciado, além de questionável, não se justificaria mais. De quebra, haveria o benefício da melhora dos indicadores fiscais.
Finalizando, provavelmente o ajuste do câmbio não irá gerar maior crescimento econômico de longo prazo, uma vez que este depende mais de avanços estruturais. Mas é possível que represente importante alívio para vários setores da indústria que, de fato, sentiram o efeito da apreciação cambial da década passada, ajudando na retomada do crescimento adiante. No entanto, para que a taxa de câmbio exerça esse papel de ajuste é necessário compromisso com política econômica austera, com queda da inflação e salários reais crescendo em linha com os ganhos de produtividade. Sem isso, colheremos apenas os efeitos recessivos do câmbio no curto prazo, pela pressão sobre preços, mas sem nos beneficiarmos das vantagens futuras pelo ganho de competitividade.
Fonte: Broadcast, 7/1/2015
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