“Todos cobram do PR (presidente da República), mas ninguém busca um caminho para o entendimento”, me disse o vice-presidente da República, General Hamilton Mourão ao definir o que o levou a escrever o artigo que publicou ontem no jornal Estado de S. Paulo. Em resumo, não seria uma crítica, mas um convite à reflexão e ao entendimento, para todos, como resumiu um de seus assessores mais próximos.
O artigo provocou diversas interpretações, desde a de que se tratava de uma necessidade de demonstrar apoio público ao presidente Bolsonaro neste momento de crise, até mesmo que estaria enviando um recado a seus companheiros de tropa, garantindo que, mesmo em caso de impeachment do presidente Jair Bolsonaro, ele continuaria uma linha de governo ao gosto dos militares, nacionalista e desenvolvimentista, na definição do cientista político Christian Edward Lynch, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da UERJ.
O convite para que o presidente da Câmara Rodrigo Maia fosse ontem ao Palácio do Planalto para conhecer o gabinete de crise montado para o combate à Covid-19 foi um primeiro passo importante para distender o ambiente político.
Dele saiu o encontro do presidente com Maia, momentos depois de Bolsonaro ter dito para empresários, em uma live, que ele parecia estar querendo liquidar com a economia do país. E uma combinação entre os dois de que a decisão sobre vetos de artigos da lei de socorro dos Estados sairá de uma videoconferência com os governadores.
Conversei com o próprio General Mourão para saber suas reais intenções, e ele me disse que “o artigo é auto-explicativo, pois aponto os problemas que tornam o ambiente em que vivemos, com discussões que não levam a nada. Se cada um assumir suas responsabilidades dentro dos seus limites poderemos baixar as tensões e buscar o entendimento. Minha intenção foi alertar que está na hora de pensar mais no conjunto e não nas partes individuais e interesses menores”.
Perguntado se não achava que faltou um mea culpa do próprio governo, se não quisesse personalizar no presidente da República, ele respondeu: “Considero que os erros do governo já estão sobejamente demonstrados pela critica”.
Depois de conversar com o vice-presidente, fiquei convencido mais ainda de que o artigo reflete um ambiente conturbado no Palácio do Planalto, e nasceu da necessidade de prestar apoio público ao presidente Bolsonaro, ainda mais agora que ele se vê acuado por processos no Superior Tribunal Federal (STF).
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No inicio do governo, Mourão surgiu como uma alternativa mais sensata aos arroubos de Bolsonaro, a ponto de ser vítima de intrigas palacianas. Carlos Bolsonaro, o vereador filho 02, chegou a publicar no Twitter indiretas sobre o suposto interesse de Mourão pelo cargo de seu pai.
Anteriormente, outro dos filhos presidenciais explicara a escolha de Mourão com a necessidade de “ter um cara cascudo lá” para mostrar que o impeachment não é uma alternativa para a oposição. O próprio Bolsonaro, certa vez, referindo-se aos que supostamente querem derrubá-lo, disse que Mourão é “muito mais tosco” que ele.
Em qualquer dos casos, ou apoio a Bolsonaro ou aceno aos militares de que garantirá a continuidade com menos turbulência, o artigo colocou o General Hamilton Mourão novamente em evidência. Devido a declarações pregressas, a intenção implícita de Mourão dá margens a muitas especulações , sobretudo se não seria uma abertura a um “autogolpe”, que aliás ele foi o primeiro a citar como uma possibilidade real na famosa entrevista na Globonews durante a campanha presidencial.
Quando ainda estava na ativa, certa vez numa palestra traçou uma hipotética situação em que a ação das Forças Armadas seria imperiosa, na sua opinião. “Pois é, mas quando a gente vê que pode ocorrer uma anomia. Nós estamos falando aqui de uma situação hipotética, né, isso é hipotético. Quando você vê que o país está indo para uma anomia, na anarquia generalizada, que não há mais respeito pela autoridade, grupos armados andando pela rua…”.
O General Hamilton Mourão foi advertido naquela ocasião, e transferido de posto. Hoje, com a responsabilidade de vice-presidente da República, garante que o objetivo de seu pronunciamento é a busca da união politica. Uma maneira mais democrática de ver as coisas.
Fonte: “O Globo”, 15/5/2020