Os resultados do primeiro turno das eleições presidenciais produziram duas importantes novidades na política brasileira. Em primeiro lugar, a votação obtida por Aécio Neves e por Marina Silva sinaliza, pela primeira vez nos últimos doze anos, que as oposições têm uma chance real de derrotar o PT e mudar a política do país. Em segundo lugar, tão importante quanto isso, é o fato de Marina – que tende a apoiar o senador Aécio no 2º. turno – estar propondo que a unidade das oposições seja definida pela natureza dos entendimentos entre o seu grupo, o candidato e o PSDB em torno de pontos programáticos. Em muitos anos, esta também é a primeira vez que a sociedade brasileira verá uma aliança política estratégica colocar, na frente da discussão legítima sobre a ocupação de posições de governo, temas e propostas de interesse público. Algo nisso ecoa o que pediram as vozes das ruas em 2013.
A decisão de Marina Silva resulta de uma mudança importante na sua postura política. Em 2010, depois de surpreender o país e obter a aprovação de quase 20 milhões de votos para as suas posições, ela permaneceu em uma posição de neutralidade no 2º. turno, ficando vulnerável por vezes a críticas em face do que poderiam ser suas responsabilidades para influenciar os resultados finais do processo eleitoral daquele ano. Desta vez, no entanto, ela está indo mais longe, e está chamando a atenção para o que deveria definir o sentido dos próximos passos: o Brasil quer mudanças, os eleitores mostraram isso, e nem ela ou Aécio podem virar as costas para esse clamor.
Não é improvável que as agressões sofridas de parte da campanha de Dilma Rousseff tenham influenciado, em parte ao menos, a decisão dela, pois apontou para um modo brutal de fazer política que ela rechaça. Mas o sentido dos novos passos vão além disso e mostram que, como ocorre em outras culturas políticas, a experiência e o processo políticos duros e contraditórios também servem para moldar a emergência de novas lideranças democráticas. Aécio também sinalizou nessa direção ao se dispor a abrir o seu programa e examinar os pontos de convergência que os aproximam do que o país espera dessa nova fase. Há algo de novo nisso, além de puro calculo racional.
Que pontos estarão em jogo na negociação? Em primeiro lugar, a necessidade de o país voltar a crescer para reduzir as desigualdades de forma efetiva, mas sem omitir o exame crítico das implicações do crescimento para o desenvolvimento sustentável. Ambos também sustentaram a necessidade de se dar um basta à conivência com a corrupção e aos retrocessos que marcam a ação do governo do PT nos últimos anos: a confusão entre partido e Estado e a cooptação de organizações da sociedade civil. Também estará no centro do debate a necessidade de o país superar a ineficiência e as distorções dos serviços públicos, os déficits de acesso a direitos fundamentais, e as exigências que isso traz para as políticas de educação, saúde e segurança pública. A janela de oportunidades está aberta, cabe a ambos saber aproveitá-la.
Fonte: O Estado de S.Paulo, 22/10/2014.
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