Na semana passada argumentei que há duas agendas distintas na formulação da política econômica.
A primeira, o contrato social da redemocratização, trata da construção de uma rede de bem-estar social abrangente, no padrão europeu continental. Esta agenda é estrutural, está conosco desde a Constituição de 1988 e não nos deixará tão cedo, simplesmente porque a sociedade, sempre que chamada às urnas para se pronunciar, vem renovando seu apoio a essas diretrizes.
A segunda agenda, menos estrutural, refere-se à alteração do regime de política econômica em 2009. O ensaio nacional desenvolvimentista, ou a nova matriz econômica, como prefere o ministro da Fazenda, representa elevar em muito a intervenção direta do Estado no espaço econômico. Deixamos de ter um Estado regulador e passamos a ter um Estado que determina em detalhe a natureza do processo de desenvolvimento.
O ensaio nacional desenvolvimentista representa mudança profunda no regime de política econômica. Após a conturbada redemocratização que nos jogou na hiperinflação, chegamos com muita dificuldade a alguns consensos sobre a gestão da economia. Adicionalmente, passamos por um longo processo de construção institucional com o objetivo de melhorar o funcionamento dos diversos mercados, além de construir as bases da estabilidade macroeconômica.
Esse processo ficou conhecido como a liberalização da economia. Note-se que liberalizar a economia não tem nenhuma implicação para o tamanho do Estado. O tamanho do Estado, medido pela carga tributária, está associado à outra agenda, o contrato social da redemocratização. Sempre teremos Estado muito grande.
A liberalização compreende um longo período que se inicia no governo Collor, tem seu ápice na era FHC e segue até a gestão de Antonio Palocci no Ministério da Fazenda. Foi o período de construção das bases da aceleração do crescimento com Lula.
A troca de guarda na Fazenda, com a saída de Palocci e a entrada de Mantega e, em seguida, a oportunidade gerada pela crise criaram a oportunidade política e a justificativa técnica para que houvesse a alteração do regime de política econômica. A nova matriz econômica foi implantada.
Minha interpretação é que a maior parcela da desaceleração do crescimento no quadriênio de Dilma, em comparação aos oito anos de Lula, pode ser atribuída aos efeitos negativos causados pela nova matriz econômica sobre a eficiência do funcionamento da economia.
Assim, tivemos um ciclo completo de liberalização, retomada do crescimento, choque externo, intervencionismo excessivo e redução do crescimento. Este ciclo completo foi feito à esquerda nos governos FHC, Lula e Dilma.
É muito interessante observar que percorremos o mesmo caminho e o mesmo ciclo à direita no período militar. Naquela oportunidade tivemos um ciclo curto de liberalização com Castelo Branco (liberalizar na ditadura é bem mais simples, apesar de menos sólido).
Em seguida, colhemos a forte aceleração do crescimento do governo Médici, no período do milagre econômico. O milagre termina em 1973 com o choque externo proveniente da triplicação do preço do petróleo. A resposta que demos ao desafio externo no governo Geisel foi muito parecida com os dez itens que compõem a nova matriz econômica e que listei na coluna de domingo passado. O forte intervencionismo do Estado na esfera econômica produziu estagnação econômica.
De certa forma é exasperante que tenhamos rodado tanto para acabar retornando aos anos 70. A boa notícia é que hoje somos uma democracia. Temos um forte Estado de Bem-Estar Social que, com todos seus problemas, combate a pobreza e tem melhorado a distribuição de renda. Além disso, sempre podemos trocar de governo se a política adotada não é do agrado da maioria da população.
A agenda desta eleição é a crítica à nova matriz econômica. O contrato social da redemocratização não está em discussão.
Fonte: Folha de S.Paulo, 28/09/2014.
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