Recebi em minha sala, nesta semana, duas jovens que vieram conversar sobre os vínculos entre educação e meio ambiente.
Falava-lhes da importância de uma abordagem científica na busca de melhores estratégias de ensino, quando me contaram sobre um estranho movimento que questiona o fato de a Terra ser redonda —o terraplanismo—, que, segundo elas, teria ganhado adeptos até na Faculdade de Engenharia da UFMG.
Não pude conter meu espanto e entendi então a assertiva do ministro da Ciência e Tecnologia, que eu havia lido pouco antes, de que nosso planeta não apenas é redondo como orbita o Sol. Achara estranho Marcos Pontes ter que reafirmar algo tão básico e, sem entender o contexto, pensei que se dirigira a crianças.
Infelizmente, era verdade o que me haviam dito e parece que, para parte da população, os avanços da ciência e do Iluminismo não ocorreram.
Utilizam equipamentos modernos, viajam em meios de transporte desenvolvidos com base no conhecimento que adquirimos ao pesquisar, ao longo de gerações, como funciona o Universo que nos abriga, mas gostariam de voltar à Idade Média e aceitar, sem crítica, verdades não testadas.
Evidentemente, como mostra o físico Thomas Kuhn, em sua obra “A Estrutura das Revoluções Científicas”, o conhecimento evolui e paradigmas aceitos podem ser substituídos por outros, quando investigações evidenciam seus limites e novas descobertas desautorizam conclusões precipitadas. Mas certamente esse não é o caso em pauta.
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Para entender este mundo, em que olhares saudosos são lançados a um passado imaginado e a ciência, em seu estágio atual, aparece eivada de teorias conspiratórias, vale a leitura do livro “Educated: a Memoir”, de Tara Westover (traduzido para o português sob o título infeliz de “A Menina da Montanha”).
Nele, a autora se apresenta como fruto de uma família altamente disfuncional que não acreditava em instituições como escola, hospitais, médicos, vacinas, normas de segurança e até registros de nascimento. Tudo por conta de um pretenso complô que incluiria até Satã.
Para enfrentar isso, a família se tratava apenas com ervas, mesmo em casos dramáticos, e negava o direito à educação aos mais jovens. Quando a medicina caseira funcionava, mesmo que parcialmente, isso era mostrado como prova irrefutável de um milagre a confirmar teses conspiratórias.
Felizmente, Tara pôde, por seu esforço e, com o tardio acesso à educação, superar o destino que lhe fora reservado. Muitos a ajudaram no percurso.
Mas o que salvará países que preferem o pensamento mágico aos avanços da ciência e do processo civilizatório?
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 11/01/2019