Após as reportagens feitas pelo “O Globo” sobre centros sociais mantidos com motivação eleitoreira no Rio, especialistas afirmam que políticos se aproveitam da precariedade da rede pública para oferecer serviços essenciais em troca de votos. Para os estudiosos, a prática configura uma forma de corrupção e promove o clientelismo.
De acordo com o cientista político João Trajano, da UERJ, os candidatos privatizam duplamente os serviços públicos, primeiro por, muitas vezes, utilizarem recursos do Estado e influência política para viabilizar o funcionamento dos centros e, depois, por associá-los a seus próprios nomes.
— Esses políticos oferecem serviços que, em tese, seriam públicos como uma especie de dádiva. Tiram proveito particular da fragilidade do serviço público, como se dissessem “eu vou oferecer o que o Estado não oferece”. Infelizmente, a tendência é que essa prática persista, o que é muito ruim, porque transforma o voto em moeda— diz.
O fornecimento de consultas médicas, odontológicas, assessoramento judicial, entre outros benefícios, por políticos via centros sociais, na visão de Ricardo Ismael, cientista político e professor da PUC-Rio, é um contrassenso. Ismael argumenta que a função dos legisladores, maioria nos casos de vinculação a centros sociais, é fiscalizar o Poder Executivo e cobrar a melhoria nos serviços, e não criar espaços para oferecê-los.
— É um círculo vicioso: o deputado ou vereador não pressiona o Poder Executivo, que não fornece serviços essenciais, e a ausência deles faz com que haja demanda para que os políticos continuem mantendo os seus centros e ganhando votos da população que é carente de políticas públicas — analisa Ricardo Ismael.
Eleitores perdem autonomia
Aldo Fornazieri, professor da escola de Sociologia e Política de São Paulo, segue na mesma linha e cobra uma fiscalização mais efetiva por parte da justiça eleitoral. O professor aponta o clientelismo como um problema histórico que ainda não foi superado no Brasil:
— Na época do Império já existia, sobreviveu na República e perdura até hoje. Antes da implementação do voto eletrônico existia de forma generalizada a compra de votos, pelo visto, ela ainda existe. Essa troca de favores por votos é um exemplo. Isso é uma forma de corrupção eleitoral e a Justiça Eleitoral deve agir.
Segundo ele, a atuação dos políticos como mantenedores de centros sociais faz com que os eleitores beneficiados percam sua autonomia. Isso porque, uma vez ajudados pelos políticos, irão estabelecer com eles uma relação clientelística e se sentirão obrigados a “pagar” com o voto.
A conduta adotada nessas eleições pelo Tribunal Regional Eleitoral e pela Procuradoria para fiscalizar esses espaços também vai nesta direção. Os órgãos defendem que políticos não podem ter ligação com centros sociais mesmo fora do período de eleições, porque os ganhos eleitorais viriam de qualquer maneira, independente da época. (Paula Ferreira)
Fonte: Extra, 22/07/2014
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