Após a crise provocada por cancelamentos de voos em março, a WanderJaunt, uma startup de São Francisco que faz aluguel de casas por estadias breves demitiu 56 dos seus 240 funcionários. A demanda de serviços da Wonderschool, que ajuda pessoas a encontrarem alguém para cuidar de crianças e dar aulas na pré-escola, caiu pela metade, o que a levou a cortar a maioria dos seus 60 funcionários. E na ClassPass, que oferece um programa de participação em aulas de ginástica, mais de 95% da receita foi embora em apenas 10 dias quando estúdios e academias fecharam em todo o mundo. Para sobreviver, a startup cortou drasticamente os gastos, congelou as contratações e se apressou a criar um serviço de streaming em vídeo de ginástica virtual.
“É a grande guinada”, disse Martin Pichinson, diretor da Sherwood Partners, uma empresa de assessoria do Vale do Silício que reestrutura startups falidas. Nas últimas semanas, ele disse, sua empresa recebeu uma “inundação” de chamadas – um volume três ou quatro vezes superior a tudo o que ele já viu.
As startups sempre foram empreendimentos arriscados, destinadas a crescer rapidamente, ou morrer, mas a pandemia do coronavírus está acelerando incrivelmente a seleção natural do Vale do Silício e provocando uma reformulação tão repentina que desafia qualquer comparação. Em poucas semanas, mais de 50 startups cortaram ou deram férias coletivas a aproximadamente 6 mil funcionários, segundo um levantamento feito pelo The New York Times. Os planos para ofertas públicas iniciais ficaram para outro momento mais propício. Por outro lado, o financiamento está secando para muitas jovens empresas de tecnologia.
O resultado disso está afetando tanto as startups mais destacadas quanto as menores que tentam acabar com elas. O Airbnb, startup de aluguel de casas, avaliada em US$ 31 bilhões, parou de contratar e suspendeu US$ 800 milhões destinados ao marketing. A empresa já levantou US$ 1 bilhão em investimento, reduziu sua avaliação para US$ 26 bilhões e pegou outro US$ 1 bilhão em empréstimos. Já a Bird, pioneira dos patinetes elétricos, demitiu 30% dos seus funcionários na semana passada, enquanto a Everlane, empresa de vestuário, cortou ou deu férias coletivas a centenas de empregados.
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Startups do setor imobiliário, a Knotel e a Convene demitiram ou deram férias coletivas a 50% do seu pessoal. O site de contratações ZipRecruiter cortou cerca de 40% dos empregados. A OneWeb, startup operadora de satélites que havia levantado US$ 3 bilhões em financiamentos de risco de investidores como o SoftBank, o conglomerado japonês, entrou com pedido de falência e planeja a sua venda.
E startups de viagens – como Vacasa, Sonder, Inspirato, Zeus Living e TripActions, entre outras – são algumas das mais afetadas. Os números são implacáveis. Em março, os anúncios de empregos nas 30 startups mais valorizadas nos Estados Unidos caíram 19% ou uma média de 21 empregos cada uma, segundo a Thinknum Alternative Data, uma empresa de pesquisa. O financiamento das startups nos três primeiros meses de 2020 também caminhava para o seu segundo maior declínio trimestral em dez anos, disse a CB Insights, que monitora estas empresas.
Startups de algumas áreas – como telemedicina, entrega de comida, aulas online, home office, de jogos – estão prosperando no meio das quarentenas. E havia sinais de que a época do boom estava fraca antes mesmo de que o coronavírus obrigasse grandes setores da economia americana a uma brusca parada.
Mas o sofrimento agora é mais profundo, e muito provavelmente está apenas começando, principalmente enquanto os investidores, já queimados por uma série de IPOs decepcionantes no ano passado, se tornam ainda mais cautelosos. No dia 5 de março, a Sequoia Capital, uma importante companhia de risco do Vale do Silício, emitiu um aviso às startups, definindo o COVID-19 como “o cisne negro de 2020”.
Vamos parar com os avisos
Para os funcionários de startups, as últimas semanas foram preocupantes. Muitos haviam comprado os ideais de mudança do mundo da indústria tecnológica, mal separavam o seu trabalho de sua vida pessoal e esperavam grandes recompensas da eventual abertura de capital de suas startups. Agora eles estão sendo demitidos por vídeo.
Na Bird, startup de motos de Los Angeles que havia sido avaliada em US$ 2,5 bilhões, centenas de funcionários foram convidados para uma vídeoconferência na manhã da sexta-feira com apenas uma hora de antecedência. Na chamada, a voz de um executivo não identificado explicou que os seus empregos havia sido eliminados. Um slide destacou as condições: um mês de indenização, três meses de convênio médico e um ano para exercerem suas opções de ações.
Os trabalhadores foram solicitados a se comunicarem por laptop, disse Jenny Alvauaje, analista de dados da Bird que estava na conferência. Alguns trabalhadores não estavam presentes, mas ficaram sabendo que haviam sido demitidos quando, pouco depois, perderam o acesso aos sistemas internos, ela disse.
Em um comunicado que definiu as demissões “uma decisão difícil”, uma porta-voz da Bird acrescentou: “Nós propositadamente e intencionalmente não tínhamos nenhum vídeo para proteger a privacidade enquanto dávamos a notícia ao vivo aos indivíduos”.
O fim foi igualmente brusco para Nik Buenning, cientista de dados da Panoramic, uma startup de software de marketing de Los Angeles. Ele estava se preparando para trabalhar em casa no dia 23 de março quando um e-mail enviado a toda a companhia informou que deveria esperar um chamado da área de recursos humanos. Imediatamente, ele disse, “As pessoas começaram a enviar mensagens rápidas como “Eu estou fora”, “Eu estou fora”, “Estou fora”. Uma hora mais tarde, ele também estava fora.
Buenning foi contratado pelo Upstream, um novo aplicativo de networking que se apresentara para atender trabalhadores da área de tecnologia atingidos pelas demissões por causa do coronavírus. Sites como o Silver Lining também estão ajudando pessoas a contactar companhias que ainda contratam.
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Muitos trabalhadores em startups acrescentaram seus nomes A planilhas do Google, consultadas pelos recrutadores em boletins semanais. Um exemplo delas é o Layoff List, criado por uma companhia de recrutamento chamada Drafted. Gerentes de recrutamento, investidores de risco e assessores de startups leem o boletim, disse Vinayak Ranade, diretor executivo da Drafted.
Alguns funcionários demitidos disseram que talvez fugissem para a segurança das maiores companhias tecnológicas, que estão sentadas sobre montanhas de dinheiro e lucram por serem usadas mais intensamente durante as quarentenas. O guia de sobrevivência das startups diz mais ou menos o seguinte: Corte os gastos, reduza os preços dos produtos, renegocie os custos fixos, por exemplo de locações, e peça a assistência do governo para academias, operadoras de aluguel de habitações ou trabalhadores temporários em quem confiam.
Modo de sobrevivência
Alguns empreendedores disseram que consideram o coronavírus um momento para se concentrarem na missão de sua companhia, referindo-se à ideia do “presidente executivo dos tempos de guerra”, popularizado entre as startups pelo capitalista de risco Ben Horowitz, do fundo Andressen-Horowitz (A16Z). Segundo esta ideia, os executivos que enfrentam uma “ameaça existencial iminente” fazem qualquer coisa para vencer.
Na Sonder, uma startup de viagens de San Francisco que demitiu 282 pessoas e deu férias coletivas a 135 dos seus 1.254 funcionários na semana passada, a celeridade na tomada das decisões aumentou de alguns dias para uma questão de horas. “Sob muitos aspectos, é algo eletrizante, mas também muito caótico”, afirmou Francis Davidson, presidente executivo da Sonder, que captou US$ 345 milhões em financiamentos e foi avaliada US$ 1,1 bilhão.
Ele disse que os seus investidores o aconselharam a cortar rapidamente e profundamente os empregados a fim de permitir que eles fossem para o mercado de trabalho antes que as coisas ficassem piores e para evitar várias rodadas de demissões. “As pessoas que procuram um ambiente em que se sintam realmente mimados não deveriam buscar no território de uma startup”, ele disse. “Você precisa ser alguém que não se abala e um ‘elevado quociente de adversidades’.”
Fonte: “Estadão”