Não sou só eu quem pensa assim. Saiu na primeira página da “Folha de S. Paulo” em 18/9/2013: “Maioria é contra o novo julgamento do mensalão”. A manchete tem como embasamento uma pesquisa feita pelo Datafolha na cidade de São Paulo logo após a decisão do ministro Celso Mello.
Não é difícil imaginar por que a maioria dos paulistanos pensa assim e o resultado da pesquisa na maior cidade do Brasil não deve ser muito diferente do resultado de uma mais abrangente cobrindo todo território nacional. Arrisco mesmo fazer uma generalização afirmando que a maioria do povo brasileiro é contra esse novo julgamento. E não é difícil imaginar os motivos mobilizadores da opinião dos paulistanos, dos paulistas e dos brasileiros de outras cidades e estados da Federação.
Resumem-se basicamente a dois. Primeiro, os homens de bem deste país não toleram mais a morosidade do Poder Judiciário, pela qual este mesmo Poder não é culpado, mas sim aqueles que fazem as leis: os membros do Poder Legislativo. Cabe ao Poder Judiciário julgar de acordo com leis que não foram feitas por ele e muitos de seus membros não as aprovam, mas as obedecem por dever de ofício. As causas da morosidade se devem, em boa parte, às normas do direito processual sobrecarregado de recursos que permitem advogados empurrar um processo com a barriga até a prescrição do mesmo. Vale citar Montesquieu: “As leis inúteis debilitam as necessárias”.
Quanto ao segundo, sabemos que a opinião pública brasileira não suporta mais a impunidade geradora da ideia de que só vão presos os PPP (Pretos, Pobres e Pedintes) e que ricos não vão para trás das grades, porque podem contratar um bom advogado. “Bom advogado”, neste contexto, deve ser entendido como: “suficientemente competente e capaz de se servir da abundância de recursos e lacunas da legislação, podendo assim protelar a condenação de seu cliente e até mesmo conseguir a prescrição”.
Estou de pleno acordo com os dois motivos mobilizadores da opinião pública, embora eu tenha razões para pensar que não são os mesmos reconhecidos pelos motivos expressados pela opinião pública. Por ignorância dos papéis das instituições, o povo em geral remete toda a culpa pela morosidade e pela impunidade ao Poder Judiciário quando deveria remetê-la ao Poder Legislativo, que faz nossas leis. Mas quero crer que foram esses dois os reais motivos mobilizadores da opinião pública.
Quando o julgamento do mensalão começou, muita gente – não só pessoas do “povão” como também da elite pensante – achava que aconteceria o que já aconteceu diversas vezes: “acabaria em pizza com guaraná”. Eu mesmo confesso que estava entre os que assim pensavam. Mas graças à competente denúncia do procurador-geral da República, à firmeza de Joaquim Barbosa como relator e das sentenças corretas da maioria dos membros do STF [Supremo Tribunal Federal], com as exceções de Dias Toffoli e Ricardo Lewandowsky, quase todos os réus foram condenados e receberam penas justas.
Às vésperas do mensalão, no entanto, pairava uma descrença generalizada de que a coisa “acabaria em pizza”, como tem sido no Brasil. Nem movimentos de rua, nem mesmo o dos admiradores e sequazes de Zé Dirceu, foram protestar em frente do prédio do STF em Brasília. A mídia só surpreendeu um único protesto realmente surpreendente: o do doido varrido Inri Cristo e seus incontáveis acólitos. Entrevistado pela mídia, “o Messias” declarou ser favorável à condenação dos réus e que só lamentava que Lula, o grande chefão, não estivesse sendo julgado. E completou: “Ele se fez de morto para comer milho”.
E você não vai dar crédito a uma verdade só porque ela foi dita por “um louco”? Ora, a verdade goza de impessoalidade e objetividade, não dependendo da boca daquele que a profere. Podemos dizer de Inri Cristo aquilo que Dom Quixote disse a respeito de si mesmo: “Loco si, pero no tonto”.
Com a conclusão do primeiro mensalão – não acreditando que viesse a ocorrer um segundo julgamento -, a maioria dos brasileiros ficou muito satisfeita e o STF adquiriu credibilidade aos olhos de uma nação cansada de ver a impunidade campeando solta e fogosa pelos verdes prados de Pindorama. Mas como diz o vetusto dito: “Alegria de pobre dura pouco”. Aconteceu o que quase ninguém esperava: foi apresentado o recurso de embargos infringentes e, por um placar apertadíssimo de 6 a 5, o referido recurso foi aceito pelo STF.
Antes de qualquer comentário, eu quero chamar a atenção para o resultado do jogo. No futebol, um placar apertado como esse indica que foi um jogo duro, não uma lavagem de 8 a 3. Num julgamento a vitória, com um voto apenas de diferença, indica que a questão era juridicamente controversa, comportando bons argumentos favoráveis e outros bons contra.
De acordo com Sextus Empiricus, grande líder da Escola Cética, quando há bons argumentos a favor de uma tese e outros tão bons contra a mesma fica caracterizada a isosthenia que, em grego clássico, quer dizer: equipotência, a “mesma força” argumentativa. Sendo assim, os céticos – que nada tinham de “céticos”, no sentido popular do termo – recomendavam a epoché (em grego: suspensão do juízo).
Lamentavelmente, juízes, por dever de ofício, não podem fazer como filósofos: não podem praticar a epoché, tem que tomar uma decisão, ainda que não se sintam seguros quanto à validade da mesma. Contudo, quando por acaso um colegiado de magistrados tem um número par, abrindo a possibilidade de um empate, a questão não é decidida por uma angustiante disputa de pênaltis, mas sim por um voto de Minerva do presidente deste mesmo colegiado.
Como no julgamento dos embargos infringentes havia um número ímpar de ministros, não foi preciso recorrer ao voto de Minerva: os embargos foram aceitos a partir do voto do ministro Celso Mello, que desempatou um jogo que estava 5 a 5 até então – um jogo duro e evidência de que se tratava de uma vexata quaestio.
Retornarei à natureza da decisão do ministro mais adiante. Antes disso quero fazer uma comparação da decisão do STF e da pesquisa do Datafolha na cidade de São Paulo.
Como já vimos, a decisão foi por um placar apertadíssimo de 6 a 5, e segundo a reportagem da Folha, a maioria foi contra a decisão do STF que ensejou um novo julgamento do mensalão. Mas “maioria” é uma palavra delicada, pois basta 50% + 1%. Para que se possa falar em “maioria”, mas uma maioria em termos estritamente quantitativos, carente de força legitimadora. No caso da maioria dos entrevistados pela Datafolha, a maioria foi um pouco mais além de 50%, pois foram 55% deles que se manifestaram contra o novo julgamento, sendo 37% favoráveis ao mesmo e 7% os que não opinaram.
Seria errôneo afirmar que se trata de uma vitória da maioria tão apertada quanto a vitória das sentenças favoráveis aos embargos infringentes? E que devemos inferir de ambos os “jogos duros”? In dubio pro reo? E em ambos os casos?
Antes de encaminhar uma resposta, examinemos primeiramente outro dado relevante colhido pela pesquisa. Indagados se eram favoráveis à prisão imediata dos mensaleiros, 18 % disseram que eles tinham direito a um novo julgamento, 79% disseram que eram favoráveis à prisão imediata e apenas 4% não opinaram.
Fica claro que o número dos que se mostraram a favor da prisão imediata foi 54% maior do daqueles que se mostraram contra o novo julgamento. E o número dos que se mostraram favoráveis a um novo julgamento foi 19% menor do que o daqueles que foram favoráveis aos embargos infringentes, sendo apenas 4% o número dos que não opinaram.
Disto se infere duas coisas. Primeira: o povo brasileiro é muito ignorante. Segunda: ele sempre diz o que pensa, mas nunca pensa no que diz. O Princípio de Não-Contradição – um dos três axiomas da silogística de Aristóteles e da lógica matemática de Russell e Whitehead – nunca foi levado a sério neste país! [E afirmamos ambas as coisas baseados não somente nas respostas dadas a essa pesquisa da Datafolha, mas sim em um grande número de pesquisas de opinião pública].
Quanto à decisão do ministro Celso Mello, não podemos dizer que ela não tivesse um respaldo jurídico, assim como não podemos dizer que a sentença contrária dada por Joaquim Barbosa não tivesse também. Ambas foram muito bem fundamentadas com bases estritamente técnicas. Mas podemos dizer que a sentença de Celso Mello deu toda ênfase a um regulamento interno do STF em franca desconsideração pelo prestígio da instituição em um momento crucial em que essa mesma instituição estava com a Espada de Dâmocles pendendo sobre sua cabeça.
Ou seja: em um momento em que a maioria de uma nação confiava nos ministros do STF para pôr um fim nesse prolongado julgamento nutrindo em todos os brasileiros a grande esperança de que a era da impunidade dos ricos e poderosos havia chegado ao fim. Mas o legalista Celso Mello não teve a grandeza de colocar a instituição acima de um novo julgamento de membros de uma quadrilha de ladravazes aboletados no poder conspirando contra nossa frágil democracia e suas raquíticas instituições.
Na realidade, ele seguia o mesmo princípio de seu colega, Barroso, que declarou estar se lixando para a opinião pública e para o que os jornais iriam dizer, e isto porque um magistrado deve ser indiferente às pressões do povo e decidir conforme o que considera o estrito cumprimento da lei.
O ministro Marco Aurélio de Mello, porém, mostrou-se sensível à opinião pública, alegando que tinha de dar uma satisfação aos que o colocaram no lugar em que ele está. Isso foi motivo de gracejos de muitos, porque o ministro do STF não foi eleito pelo povo, mas sim nomeado por seu primo Fernando Collor de Mello quando ele era presidente do Brasil.
Mas os que fizeram esse gracejo talvez não tenham se dado conta de que, ao menos indiretamente, Marco Aurélio e os demais ministros do STF foram escolhidos pelo povo, uma vez que foram nomeados por um presidente da República escolhido pelo voto direto do povo. E lembro que uma eleição indireta é tão democrática quanto uma direta, pois é desse modo que um primeiro-ministro é escolhido pelos membros do partido majoritário num regime parlamentarista.
Temos a impressão de que, entre dois princípios jurídicos antagônicos, o da celeridade do processo e da amplíssima defesa do réu, o STF mostrou ser favorável a este último, totalmente indiferente à impunidade inevitavelmente decorrente dessa opção. Urge fazer uma redução da quantidade de recursos disponíveis aos chicaneiros no direito processual, mas é ao Poder Legislativo que cabe essa urgente tarefa, mesmo tendo que enfrentar um poderoso lobby contrário à mesma. O dos bandidos? Não, o da OAB!
Fonte: Blog do Instituto Liberal
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