por Adriano Pires e Abel Holtz
O governo reafirmou o desejo de ampliar a participação de algumas empresas estatais no cenário de ações internacionais, a exemplo da Petrobrás e de muitas outras empresas brasileiras privadas. O mérito da iniciativa é romper o imobilismo que essas empresas têm, dada a sua cultura de pouco risco, posto que o erário sempre as socorreria à custa do contribuinte. Se bem o entendemos, o repto do governo é correto, mas é necessário preparar os quadros dessas empresas para a percepção e a ação consequente dos riscos como aos que a Petrobrás e as empresas privadas têm sido expostas, pois, a despeito da vontade, não existe a cultura do risco nessas empresas. E a ausência dessa característica, aliada às indicações políticas de profissionais sem o devido preparo para o preenchimento dos cargos de direção, cria problemas e pode levar a enormes prejuízos.
Nesses dias tivemos a aprovação pelo governo, após chancela do Legislativo, do incremento dos valores a serem pagos pelo Brasil ao Paraguai a título de indenização pelo uso da parcela da energia produzida em Itaipu. O processo de aprovação foi lento e despertou reações em vários setores da sociedade, tendo em vista que o governo afirmou que quem pagará a conta será o contribuinte brasileiro, via Tesouro. A pauta de discussões com o Paraguai ainda incluiu o direito de vender a sua parcela de energia a qualquer consumidor, inclusive os brasileiros – os outros são argentinos e chilenos. Esse direito continuará sendo discutido nos próximos anos e, dada a abrangência de suas consequências, assumimos que o tema deveria ser tratado com maior seriedade e competência.
Para assegurar o pagamento da dívida da Eletrobrás com a Banca Internacional, foi elaborada uma lei que obrigou as distribuidoras brasileiras do mercado Sudeste a comprarem energia e potência de Itaipu. Pode haver questionamentos quanto ao valor, mas não a recusa do pagamento – valor que está atrelado ao montante necessário ao repagamento da dívida da Eletrobrás para com a Banca Internacional, independentemente de modicidade tarifária ou qualquer outra condicionante.
Se a energia de Itaipu viesse a ser comercializada diretamente para o mercado brasileiro, como seria feita a substituição da energia hoje suprida pela parcela do Paraguai? Considerando que essa energia é produzida em 50 ciclos /seg e tem de ser transformada para consumo no Brasil em 60 ciclos/seg, quem seria responsável por esses custos e como seria precificada a transmissão da energia da parcela paraguaia entre Itaipu e os pontos de consumo – ao mesmo preço de hoje? Seriam adicionados impostos de importação ao custo?
Passando o direito de venda da parcela da energia paraguaia para a Administración Nacional de Electricidad (Ande) comercializar, qual seria o valor da dívida remanescente a ser também passada para a Ande e não mais da Eletrobrás? Como mensurar a dívida assumida quando da construção da usina, que é contestada pelo governo paraguaio, para definir esse valor remanescente?
Por fim, a usina é hoje operada em consonância com os procedimentos do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). Como ficariam a operação de Itaipu a partir do exercício desse direito pelo Paraguai e os compromissos de entrega da energia que a Ande viesse a assumir com consumidores brasileiros, paraguaios, argentinos e/ou chilenos?
Assim, quando o governo lança a Eletrobrás como líder desse processo de integração com os vizinhos, complementando o suprimento de energia ao mercado brasileiro, tem de avaliar os aspectos desse imbróglio e a experiência já tida com a Bolívia – investimentos em refinarias e instalações de exploração de gás natural -, os contratos de compra e venda de gás natural com a Argentina para uma termoelétrica brasileira no Rio Grande do Sul e as interrupções de fornecimento de energia em Roraima pela Venezuela, para que nós, consumidores e contribuintes, tenhamos benefícios a custos aceitáveis.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 31/05/2011
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