O gás natural vem-se destacando no cenário global por dois motivos. O primeiro é o aumento de sua oferta, seja por meio do shale americano, seja pelo aumento da liquefação do gás na Austrália, na África e no Oriente Médio. O segundo é por ser o energético mais limpo entre os combustíveis de origem fóssil, sendo a aposta para uma transição para um mundo mais limpo. E o Brasil está indo na contramão ao tratar o gás natural como um patinho feio.
O aumento da oferta mundial de gás natural se iniciou na década de 80, com o advento da tecnologia de liquefação do gás natural, que possibilitou seu transporte sem o uso de gasodutos e, com isso, transformou as reservas de gás, que antes eram inviáveis, em reservas economicamente viáveis. Um segundo movimento veio com a produção do shale gas americano, que revolucionou o mercado de gás com a derrubada dos preços, tornando os Estados Unidos o maior produtor de gás e viabilizando novamente em território americano indústrias como a petroquímica. Do ponto de vista ambiental, proporcionou a substituição do carvão pelo gás natural nas térmicas.
O Brasil está passando à margem dessa era de ouro do gás natural. Com o anúncio da descoberta do pré-sal, apostamos muito no petróleo e continuamos sem uma política para o gás natural. Como se não houvesse uma total inter-relação na produção dessas duas energias. O gás natural poderá ser um grande entrave à produção de petróleo no pré-sal, caso não se elabore uma política que crie mercado para essa energia. Portanto, precisamos rediscutir o papel do gás na matriz energética, sendo o atual momento político e econômico muito oportuno.
Apesar de existir certo consenso de opiniões a respeito de uma maior participação do gás natural como fonte primária de energia no Brasil, ainda persistem consideráveis entraves à expansão dos investimentos em toda a cadeia.
Os agentes que participam do mercado de gás precisam da definição de diretrizes e de políticas regulatórias claras, de forma a incentivar o investimento privado em produção, importação, transporte e distribuição de gás. Do lado da produção nacional é fundamental a volta de um calendário de leilões. E, para que esses leilões tenham sucesso, deve-se aprovar a nova Lei de Partilha, que está tramitando no Congresso, bem como nova política de conteúdo local e a extensão do Repetro.
Para estimular a produção do gás não convencional é necessário rever os licenciamentos ambientais e também estudar a alteração da política de tributos e de royalties que venham a beneficiar os pequenos e médios produtores.
Nos próximos anos continuaremos a ser grandes importadores de gás. Portanto, devemos nos preocupar com o contrato com a Bolívia, que termina logo ali, em 2019. Também é preciso estabelecer uma regulação apropriada ao novo cenário de venda de ativos, que se caracteriza pela presença do chamado monopólio natural por parte da Petrobrás.
Do lado da demanda, temos de criar “âncoras”. E isso deveria ser feito colocando usinas a gás na base do setor elétrico.
A falta de um planejamento que considere a base térmica mais realisticamente ajudou a levar ao aumento de cerca de 50% na tarifa de eletricidade no ano passado. As térmicas a gás natural vão elevar o nível de confiabilidade energética. Ainda pelo lado da demanda, é preciso estabelecer um porcentual mínimo obrigatório de compra de energia distribuída para as distribuidoras de energia elétrica e incentivar o uso do gás em veículos pesados.
Do ponto de vista regulatório, criar a figura da interconexão de gasodutos de distribuição interestaduais, nos casos em que não há condições de instalação de rede de transporte, mas há mercado relevante a ser atendido. É importante, ainda, promover a efetiva desverticalização da atividade de produção, transporte e distribuição, por meio de Projeto de Lei do Executivo.
O Brasil não pode nem deve ficar de fora da revolução do gás natural pela qual passam as principais economias do mundo. Temos de recuperar o tempo perdido.
Fonte: O Estado de S.Paulo, 18/06/2016.
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