Literatura e política se cruzaram amiúde na América Latina dos últimos 100 anos. Mas o que menos se viu foram escritores dispostos a defender opiniões minoritárias e impopulares entre a intelectualidade esquerdista dominante. Dentro dessa minoria, ninguém mostra tanto brio quanto Mario Vargas Llosa, o romancista e ensaísta peruano de 75 anos que concorreu à Presidência de seu país em 1990 e ganhou o Nobel de Literatura no ano passado. “Conversas com Vargas Llosa” (Panda Books, 2011), do jornalista e colunista de “VEJA.com” Ricardo Setti, oferece um panorama rico dessa carreira singular, conduzido pelas observações sempre certeiras do entrevistado.
A primeira edição do livro era o resultado de uma entrevista feita no correr de três dias, em 1985, na casa do escritor, no Peru, para a revista Playboy. Esta reedição é complementada com entrevistas realizadas em 2010, em São Paulo, poucos dias depois de o Nobel ser anunciado. Nos dois depoimentos, separados por 25 anos, o que se destaca é a personalidade coerente de um pensador que pode ter mudado de ideia aqui e ali, mas que se manteve fiel a seus princípios – dos quais o mais importante é a defesa intransigente da liberdade em face seja dos totalitários de esquerda, seja dos autoritários de direita. Após um namoro juvenil com o comunismo, Vargas Llosa rompeu com o regime castrista de Cuba. Tornou-se, além de um dos poucos defensores latino-americanos da democracia e da economia de mercado, o mais famoso inimigo de todas as ditaduras, do antiamericanismo, do nacionalismo, do estatismo, da correção política, dos fanatismos e da violência.
Hábil e informadamente conduzido, o ciclo de entrevistas não reduz, porém, o escritor a um mero polemista. Setti dá a Vargas Llosa a oportunidade de discorrer saborosamente sobre sua juventude, família e iniciação sexual, sobre suas leituras e autores favoritos, sobre seus principais livros – particularmente A Guerra do Fim do Mundo, romance a respeito da Guerra de Canudos -, sobre a fama e seus dissabores. É à luz dessa riqueza toda que se entende que, do alto de seu triunfo literário e pessoal, Vargas Llosa possa concluir: “O ideal é viver como se fôssemos imortais. Continuar nossa vida com os mesmos projetos e as mesmas ilusões com que começamos a viver. Isso é possível se fazemos o que gostamos, se nossa vida está dedicada a materializar uma vocação, o que significa que a recompensa obtida é o ato mesmo de exercitar essa vocação”.
Fonte: revista “Veja”
No Comment! Be the first one.