Não bastasse a lista extensa de impostos cobrados no Brasil, os empresários ainda enfrentam uma outra “carga tributária sinistra”, também chamada de corrupção. A análise foi feita pelo juiz federal Sérgio Moro, durante o encontro “E agora, Brasil?”, ao comentar a realidade enfrentada pelo empresariado brasileiro — um dos temas em debate sugerido pelo presidente da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira. Para o juiz da Operação Lava-Jato, o pagamento de propina foi institucionalizado no país como mais um dos custos de produção, prejudicando a competitividade das empresas brasileiras no mercado internacional.
— Nossas empresas reclamam, e com razão, da carga tributária excessiva que impede, muitas vezes, delas serem inseridas de maneira competitiva no mercado internacional. No fundo, a corrupção é uma carga tributária sinistra — afirmou Moro, que chamou a atenção para a oneração dos custos. — Essa necessidade de se pagar propina ingressa nos custos dos contratos públicos e onera não só as empresas, mas também a toda a sociedade, todo Orçamento público.
O juiz Moro comparou a situação de empresas brasileiras com a enfrentada por companhias da Itália no período que antecedeu a Operação Mãos Limpas, de combate à corrupção naquele país. De acordo com o magistrado, há uma insatisfação crescente do empresariado em relação à corrupção:
— Dizem que uma das razões para a deflagração da Operação Mãos Limpas na Itália foi a inserção do país, no começo dos anos 1990 no mercado comum europeu. Na época, as empresas italianas ficaram receosas de que não teriam como competir com seus pares em países onde havia menos corrupção [e não se cobrava valores altos em propina] — explicou Moro.
O magistrado citou o julgamento do mensalão no Supremo Tribunal Federal — Ação 470 — como um exemplo de combate à corrupção no país. Tanto a condenação de envolvidos no mensalão quanto o trabalho da Operação Lava-Jato, de acordo com Moro, vão como resposta à sociedade, que passou a demonstrar “uma progressiva e inédita intolerância em relação à corrupção pelos custos”.
Reações negativas do mercado
Durante o debate, o juiz federal Sérgio Moro reconheceu que o combate à corrupção pode trazer, ao longo das investigações, reflexos negativos para economia. A instabilidade política criada pelo combate à corrupção, assim como a atuação de corruptos e suas eventuais prisões, acabam prejudicando o mercado. Ainda sobre os reflexos das operações anticorrupção, o magistrado chamou a atenção para uma indagação que passou a ser feita por setores da sociedade e deixou a reflexão:
— Eu acho engraçado quando a gente discute se o enfrentamento da corrupção é bom ou ruim para economia — disse. Para Sérgio Moro, quando não se combate o crime, os envolvidos em esquemas de corrupção se sentem à vontade para atuar e ampliar suas redes de cobrança de propinas. — (Durante as investigações) Vão surgindo novas provas, novos fatos, e não tem como ignorá-los, no futuro eles voltam mais fortes. Um criminoso que é descoberto, se ele não tem uma resposta institucional, a tendência é ele se sentir mais à vontade para praticar novos crimes, e até angariar maior número de cúmplices. Esses problemas criminais, se não enfrentados, vão voltar a assombrar no futuro — afirma o juiz da Lava-Jato.
Brasil reconhecido por investigações
Ao falar do combate à corrupção no país, Moro ressaltou que, atualmente, o Brasil tem sido lembrado no exterior como exemplo de país que combate o problema e leva à prisão corruptos e corruptores.
— Este ano estive no exterior para dar palestra. E o que me chamou atenção no público estrangeiro, embora participassem também muitos brasileiros residente no exterior (nos eventos), foi o tom que eu ouvi. Era um tom de congratulações, não no sentido de que vocês (brasileiros) estão afundados em corrupção, que vocês são recorde olímpico em corrupção, ao contrário, o que se via era uma admiração pelo enfrentamento que o Brasil está realizando. A vergonha está na corrupção e não no enfrentamento dela, dar esses passos difíceis, largos, de enfrentamento da corrupção, é motivo de orgulho — afirmou Moro, antes de uma pergunta feita pelo presidente da Firjan:
— Estava na semana passada na França e vários empresários, e não foram dois ou três, me disseram que o Brasil está de parabéns dando uma lição para Europa — acrescentou Eduardo Eugênio durante a discussão.
Moro ressaltou que o combate à corrupção e a vontade de ver o Brasil livre deste crime não está limitado aos gabinetes da Justiça, do Ministério Público e da Polícia Federal. O desejo de mudança também é expresso pelos movimentos sociais, pela população e nas ruas.
— Isso é uma conquista institucional. Inclusive vamos falar dos movimentos populares, de milhões de pessoas que estiveram nas ruas. Com bandeiras diversas, é certo, mas havia uma bandeira comum de indignação contra a corrupção — destaca a participação popular.
Para Moro, o apoio às ações de combate à corrupção motiva o trabalho:
— Isso dá muita força institucional para se seguir adiante. As causas dessa mudança (de comportamento da sociedade) ainda são algo a ser escrito. Eu acho que existe um avanço institucional desde o movimento de democratização do país — avalia o magistrado, que destacou o sentimento de um juiz ao proferir uma condenação:
— Nenhum juiz tem satisfação de condenar criminalmente alguém. O juiz está apenas fazendo o seu papel, cumprindo a lei. (…) O lado humano da sentença, da pena, claro que sempre traz um certo constrangimento para o juiz — sentenciou.
Leniência preserva negócios
Um dos assuntos em debate durante o evento “E agora, Brasil?” foram os acordos de leniência fechados pela Operação Lava-Jato com empresas — em especial empreiteiras — envolvidas nos escândalos de corrupção investigados. De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), até o mês passado foram seis acordos de leniência e um termo de ajustamento de conduta, todos no âmbito da primeira instância. Já os acordos de colaboração premiada chegaram a 70. O Supremo Tribunal Federal fechou outros 41.
Ao discutir leniência, o juiz federal Sérgio Moro destacou a insegurança que os acordos, necessários para as investigações, podem provocar no mercado. Para Moro, a reabilitação de empresas envolvidas em casos de corrupção pode ser uma saída para preservar empregos e evitar reações negativas na economia do país.
— Percebe-se uma insegurança nas empresas por haver muitas entidades envolvidas nessa questão do acordo de leniência. O ideal, na minha opinião, seria a possibilidade de se fazer um acordo global, único, que abrangesse todas essas instituições — afirmou Moro, ao apontar para a reabilitação das empresas: — Qual o tratamento previsto a ser concedido a elas (empresas)? Que essas empresas sejam extintas ou reabilitadas? Tem se insistido até o momento com a reabilitação. (…) A melhor maneira para preservar a economia e preservar o emprego é tentar reabilitar a empresa do que for possível — acrescenta.
Para Moro, as empresas que foram envolvidas em escândalos de corrupção “precisam fazer sua parte” e reconhecer que cometeram crime.
— É importante que a empresa faça sua parte. Surpreendida na prática de crimes, tem de ter a atitude decente de vir a público reconhecer (o erro), como acontece com grandes empresas do mundo — disse.
De acordo com o magistrado, ao longo das etapas da Operação Lava-Jato foram pedidos bloqueios milionários de receitas das empresas. No entanto, a ação prejudicaria o capital de giro das empresas, comprometendo a economia.
O juiz Sérgio Moro destacou ainda que o combate à corrupção feito pela Lava-Jato vai trazer, a médio e longo prazos, ganhos de eficiência para a economia brasileira. Ele citou a Petrobras — empresa envolvida na operação — como exemplo:
— A gente vê vários investimentos lá na Petrobras na época dos fatos (desvio de dinheiro público investigado pela Lava-Jato), investimentos que mostraram, posteriormente, ser muito questionáveis. Na refinaria de Abreu e Lima (Pernambuco) teve orçamento inicial de US$ 3 milhões (R$ 10,2 milhões), e foi para cerca de US$ 18 milhões (R$ 61,2 milhões). Tudo isso é propina? Certamente não — analisa Moro. — Mas, provavelmente, ou pelo menos é possível, que decisões econômicas equivocadas tenham sido tomadas porque havia a intenção não de fazer o melhor negócio, mas de gerar recursos para pagamento de propina — explica Moro.
Na avaliação do magistrado, a racionalização dos recursos e o combate à corrupção trarão eficiência: — O enfrentamento da corrupção a médio e longo prazos vão nos trazer ganhos de eficiência na economia bem significativos.
Fonte: “O Globo”.
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