Duas informações econômicas se somam para levar os céticos a crer que o projeto de uma Europa unida formalmente (União Europeia) se acabou: a) a quebra contábil dos EUA; b) o fator “PIGS” (Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha).
De fato, a vacilação entre Obama e seus adversários do Partido Republicano provoca males que de nada servem para atenuar a crise norte-americana – e, doravante, mundial, reflexivamente. Todavia, é bom que se deixe claro que esta crise não se deve às divergências político-econômicas em voga nos últimos três meses, mas sim ao fato puro e simples de que a maior economia do mundo há muito tempo está a gastar muito mais do que tem e produz, e isto significa, para qualquer um: quebra contábil. Logo, não adianta mais lamentar – sem apresentar soluções – pelos trilhões gastos com tecnologia militar e com invasões de soberanias na chamada “Guerra contra o Terror” em vez de se ter gasto a quinta parte disto em saúde e educação públicas de qualidade.
A elevar o Congresso dos Estados Unidos o teto da dívida para além dos 14,3 trilhões de dólares atuais, o próprio país e a comunidade econômica internacional se sentirão aliviados nos próximos meses. Mas este alívio será placebo, será fake porque equivalerá ao mesmo que se dar mais corda para quem já se encontra na forca; ou, em outras palavras, é como se uma pessoa física que deve muito ao banco pegasse ainda mais dinheiro emprestado para conseguir pagar as suas dívidas e, ao mesmo tempo, sobreviver, mesmo com o insuportável superendividamento. Portanto, a elevação do teto da dívida, apesar de sua urgência – dizem os entendidos –, assemelha-se a uma bomba relógio, a menos que os EUA se disponham a: 1) arrecadar mais tributos, preferencialmente das pessoas jurídicas e das físicas mais abastadas; 2) gastar menos naquilo que já apontamos acima: guerras e aparatos militares.
Ao mesmo tempo em que os EUA tentam instaurar a política do “faz de conta que eu vou pagar”, a União Europeia (formada por vinte e sete Estados-membros) também se vê numa encruzilhada. A Grécia necessitou de ajuda do Banco Central Europeu e do Fundo Monetário Internacional para permanecer no jogo político-econômico da Europa unida. Portugal dá sinais no mesmo sentido, e se teme que em bem pouco tempo Espanha, Irlanda e Itália – cada qual com a sua peculiaridade – venham “jogar a toalha” também ou, melhor dizendo, “passar o chapéu”.
No caso da Europa, não se deve esquecer que o projeto de União formal (econômica, política e jurídica) não é de hoje, mas sim uma construção que remonta aos tempos do pós-guerra quando foi impulsionado por estadistas como Jean Monnet, Robert Schumann, Konrad Adenauer e Alcide de Gaspari. Em 1941, o quadro europeu já estava definido caso as forças aliadas vencessem Hitler: a Europa seria loteada, e prova disso em termos de imagem é a foto tirada em Ialta, Rússia, contendo Churchill à esquerda, Roosevelt ao meio e Stalin à esquerda. O loteamento se concretizou, e a França (De Gaulle) não podia ficar de fora: veja-se como ficou a Alemanha no pós-guerra, com territórios monitorados por autoridades francesas, inglesas, soviéticas e norte-americanas – no caso da União Soviética, montou-se uma Alemanha Oriental aliada à política stalinista da época. Logo, a encruzilhada europeia antes dita foi a seguinte: de um lado, vinha dos EUA o Plano Marshall; de outro – na realidade, logo na esquina –, estava a grande e poderosa União Soviética com a sua sedutora política comunista numa época sem esperança. A Europa e o mundo se viram em situação de bipolaridade, e alguma coisa devia ser feita, razão pela qual as comunidades europeias foram criadas (Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, Euratom e Comunidade Econômica Europeia). Na esteira das comunidades, todo um aparato de Direito Comunitário (incluindo aí Direitos Fundamentais) se concretizou principalmente em Bruxelas, Estrasburgo e Luxemburgo. Mais países foram admitidos aos contextos das Comunidades até que se aprofundou a junção com a criação do Euro e da União Europeia (como pessoa jurídica de Direito Internacional Público) propriamente dita.
Chegou-se a pensar numa Constituição formal para a União Europeia, mas o Projeto Giscard (nome do documento constitucional aprovado pela Convenção presidida pelo ex-Chefe de Estado da França – Valérie Giscard E´Estaing) foi rechaçado por franceses e holandeses em plebiscitos. Após o fracasso da Constituição Europeia, adveio projeto parecido – sem o nome Constituição: o Tratado de Lisboa, hoje em pleno vigor. Entretanto, após o Tratado de Lisboa e sobretudo depois das consecutivas quebras dos EUA (em setembro de 2008) e da Grécia (no final de 2009), não só o constitucionalismo europeu mas a própria União Europeia foram colocados numa berlinda.
Pergunta-se: a Europa unida formalmente é coisa boa ou ruim? A resposta é: a União Europeia é a maior das criações econômicas, políticas e jurídicas de que se tem notícia no mundo pós-moderno, e isto tem as suas razões de ser: (i) a União trouxe prosperidade econômica a países que, antes dela, ou estavam no falido bloco comunista (Polônia e República Tcheca), ou ainda estavam a catar os cacos sangrentos de ditaduras longevas (Portugal de Salazar e Espanha de Franco); (ii) a União foi o palco que minimizou a reunificação do maior país do bloco, a Alemanha; (iii) a União intensificou a ideia de proteção comunitária aos Direitos Humanos Fundamentais; (iv) a União conseguiu ter uma estrutura supranacional (independente dos países que a compõem).
Com as crises dos países europeus e dos EUA, alguns passaram a dizer que o projeto de uma Constituição para a União Europeia está definitivamente findo, e que a própria existência do Euro – e, pior, do próprio bloco – deveria cessar. Ao contrário do que dizem os eurocéticos, nunca foi tão necessário que a União Europeia se mantenha existente, junta e forte. Veem-se presentes, mais do que nunca, todos os elementos para que uma Constituição formal para o bloco europeu seja aprovada: o primeiro elemento se confunde com a primeira função que uma Constituição deve cumprir, a de estruturar uma Comunidade Política; o segundo elemento se concretiza na proteção dos Direitos Fundamentais por instituições comunitárias. Estes dois elementos somados respondem à pergunta “é possível uma Constituição para a União Europeia?”. A resposta é sim, razão pela qual já se detecta há bastante tempo (pelo menos desde o Tratado de Maastricht) um constitucionalismo supranacional europeu, fator este que acompanha os tempos de mercado global e de cultura global.
Não, o sonho não acabou! A crise econômica não deve e não pode abalar o mais ambicioso projeto que a economia e o Direito já ofereceram: o da União Europeia. Opinar-se contrariamente a isso é o mesmo que ressuscitar fatores malévolos como nacionalismo, separatismo e isolamento.
“Não sou nem ateniense, nem grego, mas sim um cidadão do mundo” (Sócrates).
EMENTA: crise ecômica americana. reflexos mundiais. crise econômica de países europeus. é possível uma constituição para a união europeia? a união europeia está fadada ao fracasso?
Muito bom professor Dr. Alex Pagliarini pela lucidez da abordagem, pela desenvoltura com que trata a política internacional, principalmente em momentos críticos como o que se apresenta. Genial! Concordo com você. Não é a toa que até hoje me lembro das Aulas com A maiúsculo que você lecionava no mestrado da PUC-SP. Grande abraço do seu ex-aluno.
Senhores do Instituto Millenium,
parabéns por terem aberto espaço para uma opinião diferenciada sobre a crise econômica, que é mundial, e não só norte-americana. O Prof. Alexandre Coutinho Pagliarini demonstra isso quando propugna não só por uma Europa cada vez mais unida, mas sobretudo por uma Constituição Europeia. Concordo em gênero, número e grau com as lúcidas colocações do Dr. Pagliarini. Obrigado. Reinaldo da Matta Machado
Parabéns ao Instituro Milleniun pelo espaço aberto ao nosso Professor Doutor Alexandre Pagliarini !
Tenho o privilégio e o prazer de desfrutar duas vezes por semana de suas aulas de Direito Constitucional III, e me sinto privilegiado por poder ouvir essa mente brilhante !
Grande abraço Professor !
Oba! Artigo quentinho profeeee!!!!Que delícia! Espaço mais que merecido, querido. Parabéns!
Acho mesmo que a União Européia melhorou a vida dos europeus, por isso deve ser mantida e até melhorada!!!
A história do capitalismo é composta por crises econômicas constantes. Não podemos ignorar o que a comunidade européia vem construindo nos últimos tempos que é uma unidade política, econômica e jurídica com a União Européia, e que sua importância não pode ser duvidada ou “jogada no ralo” a cada “quebradeira do centro da economia capitalista”. A União Européia é mais do que uma união econômica. Concordo com o professor na defesa de sua manutenção, e como alguns outros, suas aulas são inspiradora
Brilhante pensamento, texto claro e prazeroso de se ler.
Professor Alexandre, brilhante e esclarecedor artigo! A União Europeia é uma aliança única na qual Estados-Membros permanecem nações soberanas e independentes. A crise econômica não pode abalar tão grandioso projeto. Parabéns ao Instituto Millenium por acrescentar em seu quadro o Professor Alexandre!
Em junho/2005, quando Blair assumiu a presidência da Europa, conclamou seus pares a modernizar a CE. Também afirmou que a Europa não carecia de uma crise das instituições, e sim de falta de liderança.
Uma curiosidade: Chirac em seus discursos pró Constituição Europeia, afirmava que a Comunidade teria que ser unida e forte para se opor à evolução de economias emergentes como o Brasil e demais do BRICS…
Parabéns, Alexandre, pelo brilhante texto que, só agora, pude ler. Estava perdendo tempo, eu sei… A fluência e assertividade do seu texto são mesmo impressionantes! Desejo-lhe muito sucesso nessa nova empreitada no site do Instituto Millenium (que, a propósito e merecidamente, estampava na homepage este seu artigo como um dos mais lidos quando o acessei!) e toda a felicidade do mundo! Forte abraço!
Alexandre Coutinho Pagliarini está corretíssimo! Não se pode nem pensar em desconstruir este organismo de junção política e econômica que é a União Europeia.
Desculpa, somente un comentario, CUIDADO COM REAL BRASILEIRO, MUITO CUIDADO, PIB ANO 2010 7,5%, PIB ANO 2011 3,5%, PIB ANO 2012 2,2%.
AO MONDO ACTUAL TODO O QUE ACONTECE A USA E EUROPA ACONTECE AO BRASIL, CHINA, INDIA, ETC.
OBSERVAR MOEDA BRASILEIRA ESTA BAIXANDO MUITO MUITO.
Abraços dúm espanhol renegado d’uma Espanha de merda.
olá adorei o artigo mais afinal qual é a situação atual da UE ?
bom, a europa está quebrada – como já esteve em outras ocasiões -, mas isso não quer dizer que os avanços que ela alcançou – ao suplantar os nacionalismos – devam ser abortados. viva a europa unida! viva a união europeia! alexandre coutinho pagliarini
Por favor responda professor Alexandre Pagliarini: França e Alemanha estão em conflito quanto ao futuro da União Europeia?