O Instituto Millenium entrevistou Cristiano Cechella, autor do livro “A globalização e a internacionalização das empresas brasileiras em Portugal”. O economista acredita que o momento atual é importante para os investimentos externos do Brasil, em ascenção desde os anos 20oo.
Para Cechella, a tendência é que os investimentos do Brasil no exterior continuem crescendo, mas crê que o Estado deveria atrapalhar menos a expansão e apoiar as políticas que o país aguarda: “O Estado deve atuar como o apoiador, com algumas instituições, como as embaixadas, mas exclusivamente como apoiador. O instinto do empresário é empreender e essa função cabe a ele”.
O economista falou ainda sobre a relação econômica entre Brasil e Portugal.
Leia a entrevista:
Instituto Millenium: Como o Brasil se classifica em relação a investimentos exteriores? Há muitas empresas brasileiras em território estrangeiro?
Cristiano Cechella: Sim. Desde os anos 2000 o número de investimentos brasileiros fora do país aumentou bastante devido à estabilidade interna, efeito do Plano Real. Isso deu gás a um processo dinamizador da economia como um todo. Com isso, as empresas podem fazer negócios e desenvolver estratégias com maior tranqüilidade e tudo isso com os benefícios de uma moeda valorizada.
Imil: Pode-se dizer que esse processo de investimentos no exterior teve início com o Plano Real?
Cechella: O processo dinamizador, sim, pois já tínhamos outras empresas no exterior como a Petrobrás, alguns bancos e construtoras. Havia um processo incipiente de investimento brasileiro fora do país. O “boom” realmente aconteceu com a estabilização da economia. Em 2006, o Brasil investiu mais no exterior do que o exterior no Brasil, algo inédito.
Imil: O país passa por um momento próspero nessa área?
Cechella: Sim, é um momento muito importante para a nossa economia. As empresas estão crescendo e se desenvolvendo. Esses investimentos agregam valores, muitas vezes em termos de gestão. Também vemos mais brasileiros indo para fora; são muitos os benefícios.
Imil: E qual é o papel do Estado nesse processo?
Cechella: O ideal é que as empresas não esperem o Estado. Antes da abertura do mercado, elas esperavam ações do Estado para fazer as coisas. Provou-se que isso não dá certo. O Estado deve atuar como o apoiador, com algumas instituições, como as embaixadas. Mas exclusivamente como apoiador. O instinto do empresário é empreender, e essa função cabe a ele. Cabe ao Estado a realização de políticas adequadas que incentivem e estimulem o investimento interno e externo.
Imil: Quais são as principais motivações de empresas brasileiras em investir no exterior?
Cechella: Busca de novos mercados. Alguns setores também buscam estar situados em áreas estratégicas, tanto pela geografia econômica quanto pela logística e exportações.
Imil: Os laços históricos entre os dois contribuem para os investimentos brasileiros em Portugal?
Cechella: Contribuem muito. A língua comum já é um importante estimulador, obviamente inserida em um conjunto amplo de estratégia empresarial. Ano passado foi o ano em que mais empresas brasileiras investiram em Portugal. Em 2010, o Brasil investiu dez vezes mais que em 2009. A afinidade cultural pode diminuir o risco da empresa. Quando há uma crise, dentro de um conceito estratégico, a empresa escolhe um local mais seguro. Essa afinidade pode ser uma explicação para esse aumento vertiginoso de investimentos brasileiros aqui.
Imil: Qual é a importância dos novos países investidores para a economia mundial?
Cechella: São países fundamentais. O que alavanca a economia mundial são os BRICs, que fizeram algumas reformas importantes há alguns anos. Tendem a ser cada vez mais importantes no cenário mundial, mas o Brasil já é destaque há muito tempo.
Imil: Então em relação aos BRICS, o Brasil se encontra em uma boa posição de investimentos?
Cechella: Sim, o Brasil tem investimentos mais diversificados. É um país com a democracia sólida e multicultural, característica importantes para as empresas. O Brasil tem potencialidades enormes. É óbvio que isso deve estar aliado a políticas acertadas, e ainda há certas coisas a serem feitas. Mas o país já tem características que o fazem ser cada vez mais relevante.
Imil: Quais são as maiores dificuldades encontradas pelas empresas ao investir no exterior?
Cechella: No caso de Portugal, o que elas mais reclamam é a estagnação da economia. O país não cresce há cerca de dez anos por vários fatores internos. No entanto, a maioria das empresas que estão aqui estão tendo sucesso. Cerca de 70% das empresas estão muito satisfeitas com o retorno, mas dizem que os principais obstáculos do mercado português é a falta de crescimento e dinamismo da economia. Isso depende de setor para setor. O interessante é que mesmo com esses problema as empresas estão atingindo seus objetivos.
Imil: Como surgiu a idéia de escrever “A globalização e a internacionalização das empresas brasileiras em Portugal”?
Cechella: Durante o mestrado na Cândido Mendes estudei o investimento das empresas portuguesas no Brasil, em uma época que isso era muito forte. Tive o privilégio de ter como orientador o professor português Joaquim Ramos Silva. E a partir daí, decidimos fazer a via inversa, estudar os investimentos brasileiros em Portugal. Foi um risco, já que isso aconteceu em 2003, quando não se falava em investimento brasileiro no exterior. O Brasil ainda engatinhava, foi uma aposta nossa. Comecei a garimpar, tive o apoio de instituições muito importantes, como a embaixada e as câmaras de comércio. Graça a Deus, este trabalho deu muito certo.
Imil: Muito se fala da herança ibérica, quando se trata de burocracia. Portugal modernizou as estruturas governamentais, em comparação ao Brasil, quando entrou para a União Europeia?
Cechella: Está bem melhor. A burocracia é uma cultura do país, mas ela se desfaz com o dia-a-dia. Com o tempo, com a percepção popular de que as coisas deveriam ser mais ágeis. Estão trabalhando para que as coisas sejam mais rápidas, isso independentemente da União Européia. Ela é mais importante por ser uma base, um ponto de referência para algumas coisas. Mas o país mesmo está mais consciente de que a burocracia é um mal que emperra o bom andamento das coisas. Está havendo um esforço, mas, óbvio, pode ser melhorado. No Brasil também precisa ser melhorado.
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