Entre 2007 e 2011 a parcela dos produtos primários na pauta de exportações brasileiras deu um salto de 16 pontos percentuais (de 32% para 48% do total). Tal ganho se deu à custa da participação das manufaturas, que caiu os mesmos 16 pontos percentuais (de 52% para 36% do total). Essa evolução levou aos gritos de desespero acerca da “desindustrialização” do país e nossa inexorável reversão à categoria de “meros” produtores de matérias-primas, augúrio da decadência irreversível da economia nacional.
Ou não. Como de hábito, a aversão de grande parte (senão a totalidade) dos nossos keynesianos de quermesse aos dados os faz perder de vista um desenvolvimento óbvio, mas que explica muito do que ocorreu nos últimos anos.
Refiro-me, é claro, à elevação extraordinária dos preços de produtos primários, cujo efeito sobre as exportações destes produtos não pode ser ignorada, como tem sido, sob pena de perda significativa de entendimento do processo. Entre 2007 e 2011 os preços de produtos primários praticamente dobraram, enquanto os preços de manufaturas aumentaram muito menos, apenas 35%. Este desenvolvimento não foi exclusivo do Brasil, já que globalmente os preços de matérias-primas (exceto energia) cresceram 39% contra 14% no que diz respeito às manufaturas, segundo as estimativas do CPB (instituto de pesquisa do governo holandês).
Contra esse pano de fundo, não é necessário grande salto de imaginação para concluir que, mesmo se as quantidades exportadas não se alterassem, a participação dos primários deveria crescer consideravelmente. Com um pouco mais de esforço é possível construir uma metodologia que decomponha a evolução da parcela de manufaturados no total exportado entre os efeitos derivados de quantidades e os efeitos oriundos dos preços (assim como da interação entre ambos, que, de qualquer forma, é pouco relevante), essencialmente medindo seu desempenho com relação a preços e quantidades médios. Os resultados estão resumidos no gráfico.
Como se pode ver, exceto pelo ocorrido em 2009, a queda da participação dos manufaturados (consequentemente, a elevação da participação de primários) resultou essencialmente da redução dos preços desses bens relativamente ao preço médio das exportações, com escassa contribuição das quantidades de manufaturados, que cresceram em linha com as quantidades totais.
É verdade, contudo, que em 2009 houve uma forte contribuição negativa do quantum de manufaturados, mas não é difícil entender o porquê. Com efeito, entre setembro de 2008 e dezembro de 2009 as importações dos EUA, da União Europeia e da América Latina (Argentina, Chile, Colômbia, México e Venezuela) caíram de US$ 5,1 trilhões para US$ 3,7 trilhões. Consequentemente as exportações de manufaturas brasileiras para tais mercados despencaram de US$ 69 bilhões para US$ 47 bilhões. Já em 2011 as importações destes mercados retornaram a US$ 5,1 trilhões e as exportações de manufaturas, não por acaso, voltaram a US$ 68 bilhões.
Em outras palavras, o colapso das exportações de manufaturas em 2009 (portanto a contribuição negativa das quantidades) esteve intimamente ligado ao colapso das importações em nossos principais mercados, responsáveis pela absorção de 75% das vendas desses produtos. Com sua recuperação observamos um rebote praticamente idêntico das exportações, fato que não parece lá muito consistente com a ideia de perda de competitividade.
Em contraste, as importações dos principais mercados das exportações brasileiras de produtos primários – que haviam caído de US$ 5,8 trilhões para US$ 4,3 trilhões de setembro de 2008 a dezembro de 2009 – alcançaram US$ 6,3 trilhões no ano passado, superando amplamente os níveis pré-crise e, é claro, trazendo as exportações de primárias para US$ 74 bilhões, patamar consideravelmente superior ao observado às vésperas da crise (US$ 41 bilhões).
Ou seja, apesar do crescimento mais vigoroso dos mercados importadores de produtos primários relativamente aos importadores de manufaturas, entre 2009 e 2011 praticamente toda perda de participação destes produtos pode ser atribuída à redução de seus preços em comparação aos produtos primários.
Em suma, manufaturas perderam importância na pauta principalmente pela queda de seus preços relativamente aos primários e pela lenta recuperação dos principais mercados. Por outro lado, a participação de manufaturas nesses mercados caiu apenas marginalmente entre 2007 (1,39%) e 2011 (1,32%), indicação que “competitividade” não parece, nem de longe, ser o problema. Mas quem está disposto a fazer conta se, de antemão, chegou às conclusões que desejava?
Fonte: Valor Econômico, 03/05/2012
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