No início do governo Bolsonaro, apresentei duas conjeturas sobre o STF. A primeira era que o seu suposto hiperprotagonismo ainda estava por vir, porque era em larga medida epifenômeno da agenda do governo e de eventos externos (escândalos de corrupção etc.). A previsão feita foi que “o STF terá enorme protagonismo no governo Bolsonaro. Será o ator com efetivo poder de veto sobre a agenda iliberal do governo: contrariando iniciativas na área comportamental e de segurança pública e coibindo abusos e violações da separação de Poderes. Essas pautas do governo encontrarão uma virtual unanimidade antagônica no STF”.
Em outras palavras, assistiríamos à contenção da agenda iliberal do governo, além do que Hirshl chamou de “judicialização da megapolítica”, e que caracteriza as supremas cortes nas democracias atuais. Teríamos assim uma normalização de nossa suprema corte. Sob Bolsonaro, com o fim da polarização causada pela atuação do STF como corte criminal, as críticas ao hiperprotagonismo sofreram radical inversão, mudando de sinal ideológico.
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O poder de veto do STF manifesta-se em várias frentes (MP com restrição à Lei de Acesso à Informação, nomeação de Alexandre Ramagem para o comando da Polícia Federal, autonomia dos estados e municípios na pandemia) e em temas centrais para o governo e sua agenda (equiparação da homofobia e crime de racismo etc.).
A segunda conjetura que fiz era que “a era das dissensões parecerá a um observador do futuro ter ficado no passado: a corte atuará coesa pelo menos até a nomeação dos substitutos de Celso de Mello e Marco Aurélio”. A rigor não há nenhuma surpresa na virtual comunalidade de posições dos ministros Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes no momento. Sem conflitos na agenda de atuação como corte criminal, e com razoável consenso na área comportamental, o dissenso é residual: envolve questões normais de interpretação constitucional. O ativismo processual torna-se inócuo. Teriam as 11 ilhas dado lugar a um só continente?
Contraintuitivamente, o inquérito das fake news é elemento dissonante do quadro de atuação do STF no governo Bolsonaro, porque diz respeito à própria corte, não diretamente à contenção do Executivo ou questões comportamentais.
Ele foi instaurado após decisões impopulares do Supremo sobre crimes eleitorais, fundo partidário e prisão em segunda instância.
A reação do ministro Dias Toffoli envolveu também o incidente com a revista Crusoé, em abril do mesmo ano, em meio a grande controvérsia.
Seu desenlace —revogação da censura— foi favorável à corte. Não haverá solução fácil desta vez.
Fonte: “Folha de São Paulo”, 1º/6/2020