Para o ex-ministro do Supremo, Carlos Ayres Britto, as instituições em um regime democrático têm precedência sobre as pessoas.
Como o senhor vê a situação do país?
Estou preocupado. Há muito confronto e falta de diálogo. É preciso internalizar a ideia de que o Judiciário dá a última palavra. Em um país civilizado, não se pode impedir a imprensa de falar primeiro, e o Judiciário de falar por último sobre as coisas. Há um desrespeito a figuras do Judiciário.
O senhor se refere às agressões ao ministro Teori Zavascki depois da decisão de trazer ao Supremo a investigação sobre o Lula?
Sim. Estão acontecendo agressões orais, verbais, quando a decisão contraria um dos lados do espectro ideológico. Criou-se uma predisposição para desancar o Judiciário. A saída de todo o problema é pelo direito e não do direito. (No caso do Lula) o ministro Teori entendeu que (a decisão do juiz Sérgio Moro de divulgar os áudios) feria uma competência do Supremo. É uma decisão fundamentada de um magistrado da maior respeitabilidade. É de se esperar da comunidade o acatamento.
Esse clima constrange os juízes na hora de decidir?
Os membros do Judiciário têm uma casca grossa, e o Supremo funciona como um estômago apto a digerir qualquer questão. Um ministro pode errar, se equivocar, mas há mais dez ali. E mesmo que o Supremo não satisfaça a expectativa geral, ordem judicial se cumpre. Mas quando o clima social resvala para o insulto, nesse contexto de “Carcará, pega, mata e come”, o que está acontecendo é deixar vazar os olhos da razão e não ver o óbvio ululante. O debate está muito infantilizado, maniqueísta. É herói e vilão. Se faz um chamamento ao entendimento.
É um erro personificar decisões judiciais?
As pessoas não devem ver a figura de Moro nem a de Teori. As pessoas têm que enxergar a figura dessa instituição que é o Judiciário. As instituições em um regime democrático têm precedência sobre as pessoas. A vida coletiva pressupõe impessoalidade. Nenhum juiz é locomotiva social. O prestígio dos juízes é derivado das instituições. Democracia não é salto de qualidade, o indivíduo é que se transforma completamente, mas o corpo coletivo é pesado. A sociedade evolui paulatinamente, num processo de qualificação. Não é uma luta de boxe que se resolva por nocaute. A democracia ganha a luta acumulando pontos. Colocar Moro como salvador da pátria é um equívoco. Essa idolatria ao indivíduo é ilusão de ótica.
Depois da divulgação dos áudios de Lula em que ele acusa os integrantes do Supremo de covardia e parcialidade, como fica o processo de decisão da Corte?
O Supremo é uma espécie de decanter, para usar uma palavra que Lula usou, ali os ânimos serenam. O Supremo não internaliza aquela ideia do (jurista) Rui Barbosa de que é a instância que pode errar por último. A corte tem a obrigação de acertar em definitivo. Essa história de que os ministros são 11 ilhas não deve ser levada literalmente. Num cafezinho, na antessala, no intervalo, os ministros se encontram sempre, há troca de ideias. Não acredito que o Supremo vá se contaminar por partidarização.
Existe sensação de gratidão que possa atrapalhar o Supremo em julgar Lula e Dilma, que indicaram a maioria dos ministros?
A indicação de um ministro tem conotação política porque acontece pelo Executivo e tem que ser aprovada pelo Legislativo. Mas, depois da posse do ministro, o princípio da harmonia dos poderes sai de cena e entra a independência. Ninguém vai ser grato com a toga, não. Ninguém vai pagar com a dignidade da nação pela indicação desse ou daquele chefe do Executivo.
Qual é a sua opinião sobre a Operação Lava-Jato?
Pelo que se apurou e se julgou até agora, a operação está desvendando uma trama criminosa sem precedentes na história do país. Eu vejo como uma oportunidade de, respeitado o devido processo legal, o Brasil se encontrar consigo mesmo no plano da decência e da moralidade administrativa.
O senhor vê abusos na investigação?
Tem havido acusações de descumprimento de regras pontualmente. Nesse caso, a Justiça apura se houve desvio de percurso. Mas a segunda instância não tem desfeito a maioria das decisões de Moro. Se assim for, a operação está salva.
Fonte: “O Globo”, 24 de março de 2016.
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