Nunca escondi minha admiração pela operação Lava Jato. Por atacar as estruturas centrais da corrupção no Brasil, a força tarefa que iniciou seus trabalhos em 2014, já criou muitos inimigos. Usa os instrumentos democráticos conferidos pela Constituição, especialmente a independência do Ministério Público e da magistratura, de forma estratégica. Por intermédio da aplicação da lei, as investigações passaram por doleiros, empresários, empresas estatais e acabaram desaguando no poder político, que controla uma estrutura de governo pesada que serve aos próprios interesses.
Enquanto sob a luz dos holofotes da imprensa os políticos defendem a Lava Jato, nos subterrâneos do poder articulam formas de conter as investigações e se blindar dos seus efeitos. O foro privilegiado tornou-se instrumento fundamental para proteger os políticos envolvidos. Assim, enquanto o povo luta pela extinção do benefício, Brasília trabalha pela sua manutenção.
Entretanto, diante dos movimentos de blindagem no mundo político, a população se articula e prepara seu troco nas urnas. Se em 2016 já foi possível verificar o começo deste movimento, tudo leva a crer que em 2018 teremos uma das maiores renovações já vistas em nosso Parlamento. Atento ao movimento do eleitor, o mundo político prepara sua reação, um movimento que pode se materializar ainda para o próximo pleito e que responde hoje no Congresso pelo nome de reforma política.
Sabemos que o Brasil necessita de uma reforma profunda nesse sentido, mas soa estranho e oportunista mudar as regras do jogo nas vésperas das eleições como está sendo discutido. O plano do momento é adotar o sistema de lista fechada, onde o eleitor escolhe um partido, mas os caciques decidem quem faz parte da lista que irá concorrer. Votando apenas no partido, o eleitor desatento não entenderá que está elegendo com seu voto possivelmente uma lista de políticos envolvidos em malfeitos e que buscam amparo no foro privilegiado para escapar da Justiça célere de Curitiba.
Este é um verdadeiro golpe na democracia. Com este movimento busca-se subtrair do eleitor o direito de varrer da cena política nomes envolvidos em denúncias de corrupção, especialmente os nomes revelados pelas investigações da Lava Jato. Se para votar em um candidato da sua preferência, será necessário votar em uma lista onde constam o nome de vários outros políticos que não merecem o seu voto, o sistema está subtraindo do eleitor seu poder de decisão.
Como se não fossem suficientes os golpes contra a Lava Jato, buscando formas de embaralhar os procedimentos, atacar a reputação dos órgãos de investigação e blindar os corruptos, o sistema vai além, buscando agora uma forma de perpetuação de seus operadores no mundo político. Assim como em outras vezes, a população precisa se mobilizar e evitar este claro golpe contra nossa democracia.
Fonte: “O Tempo”, 27 de março de 2017.
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