A cada dia que passa amplia-se o cerco do sistema político sobre o aparato de Justiça. O mais recente movimento veio com a inclusão, na reforma política, de um limite de dez anos para o mandato dos ministros do Supremo Tribunal Federal. O objetivo é reduzir o poder do tribunal, tornando os ministros mais dependentes do poder político e cautelosos ao tomar decisões que afetem interesses dos poderosos.
A reação do corpo político contra o protagonismo assumido pelo sistema de Justiça nos últimos anos não deve causar surpresa. Esse é o padrão observado em países como a Rússia, África do Sul, Colômbia, ou mesmo Itália, onde a ambição da Justiça de controlar a corrupção e o arbítrio foram duramente punidas pelas forças políticas.
Ao voltar suas baterias contra o governo do PT, no processo do mensalão, o sistema de Justiça angariou forte apoio da oposição e também dos setores da sociedade indignados com a corrupção. Esse apoio foi aprofundado com a Lava Jato, que desencadeou o processo de impeachment da presidente Dilma e a nefasta ascensão do centrão.
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Na medida em que as investigações se expandiram para outros setores, em especial para o PMDB e o PSDB, as forças “moralizadoras” da política brasileira foram paulatinamente arrefecendo. Como era de se esperar, o infortúnio do cárcere e da desmoralização uniu adversários políticos históricos para combater o comum algoz. A Justiça conseguiu a proeza de unir contra si grande parte da elite política brasileira.
Evidente que excessos e perda de compostura de alguns operadores jurídicos, além da falta de pudor na defesa de privilégios corporativos, tornaram o sistema de Justiça mais vulnerável às investidas do centrão e seus novos aliados.
Com enorme perspicácia o novo governo passou a explorar as fissuras entre magistrados, procuradores e policiais para arrefecer o seu ímpeto punitivo. A oportunidade de renovar ministros, tanto no Superior Tribunal Eleitoral, como no próprio Supremo, foi estrategicamente aproveitada. Com a sucessão na Procuradoria Geral da República e um maior controle sobre a Polícia Federal, inclusive de natureza orçamentária, surge a expectativa de que a pressão do sistema de Justiça sobre o mundo político seja reduzida.
Uma clara demonstração da submissão do direito à política veio com decisão da Justiça Eleitoral de não impugnar a chapa Dilma-Temer, em que ficou claro, pelo voto do ministro Gilmar Mendes, que a chamada “ética de responsabilidade” deveria prevalecer sobre o compromisso com a estrita aplicação da lei.
Nesse cenário não surpreende que muitas pessoas estejam cada vez mais céticas de que a Justiça irá levar a cabo a sua função de aplicar a lei de forma imparcial a todos. O grande desafio do sistema de Justiça neste momento é não capitular.
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Em se falando em capitulação, o Comando do Exército está propondo que o Tribunal do Júri seja substituído pela Justiça Militar na apuração de eventuais crimes dolosos contra a vida praticados por militares no contexto da atuação do Exército no Rio de Janeiro. Se o Congresso se curvar a essa demanda, não só colocará em risco a comunidade, como a própria integridade das Forças Armadas.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 19/08/2017
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