O Congresso aprovou no fim do ano passado o projeto que institui no país o novo Código de Processo Civil, elaborado a partir do trabalho de uma comissão de notáveis coordenada pelo ministro do STF Luiz Fux. A presidente Dilma Rousseff o sancionou em março, para entrar em vigor no próximo ano.
A reforma do código anterior se impunha, entre outras razões porque ele já não refletia a realidade de um país redemocratizado e com uma nova Constituição, promulgada em 1988. Outra das razões, igualmente de peso, diz respeito a uma questão cujo equacionamento não pode mais se estender: a morosidade da Justiça brasileira.
Este é o espírito que permeia o novo CPC, segundo Fux: dar celeridade ao trâmite de processos e, por decorrência, reduzir o acervo de casos não julgados no país. Quando entrar em vigor, o Código encontrará um quadro caótico na agenda processual brasileira. Levantamento recente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) informa que o Brasil tem 70 milhões da ações ainda sem decisão tramitando nas cortes. A essas, se juntaram, somente no espaço de um ano, outros 30 milhões de processos — do que resulta uma demanda na Justiça brasileira para cada dois habitantes.
É um caos. Superá-lo implica um esforço da magistratura e, principalmente, o recurso a mecanismos que combatam as causas desse mastodonte judicial. A redemocratização estimulou o cidadão a buscar seus direitos na Justiça. Daí fortaleceu-se uma cultura da judicialização cujo incremento tem sido exponencial: segundo o CNJ, a curva da litigiosidade avançou nos últimos cinco anos ao dobro do ritmo do crescimento populacional. As Cortes, claramente, não conseguem dar conta dessa demanda. De cada cem ações, apenas 29 recebem sentenças — e, mesmo assim, há casos em que decisões transitadas em julgado não encerram processos, que acabam batendo no Superior Tribunal de Justiça. Isso congestiona de tal modo a agenda da Corte que os juízes do tribunal precisariam emitir 119 sentenças por dia, duas por minuto, até o último dia do ano, se quisessem fechar 2015 com as prateleiras do acervo vazias. Um impossibilidade.
Um dos mecanismos dessa barafunda judicial são os recursos. Reportagem recente de “O Globo” destacou casos em que eles alimentam chicanas cujo propósito é postergar decisões até o limite do decurso de prazo. Para dimensionar: cinco decisões de primeira instância podem dar margem a 25 contestações nos tribunais regionais, e mais duas em tribunais superiores. É uma cadeia que, não raro, leva à impunidade. Não à toa, o novo CPC estimula a conciliação, a via menos traumática para encerrar litígios.
É uma Justiça, portanto, que não se realiza como tal. Além de prejudicar o cidadão, contempla males adjacentes. Um deles é a superlotação de presídios: estima-se que 41% da população carcerária do país são de presos sem condenação. Este é o preocupante perfil processual com que o país receberá em 2016 o novo CPC.
Fonte: Editorial de O Globo, 26/7/2015
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