A tese da “desindustrialização”, que esteve em moda em 2005, retornou com uma preocupação a mais: a “reprimarização”, ou seja, a regressão a um modelo primário-exportador dos tempos passados. O sinal do retrocesso seria a maior participação de commodities nas exportações. Será?
Define-se desindustrialização como a queda do emprego na indústria. O fenômeno apareceu nos países ricos nos anos 1970. Antes, o mesmo acontecera na agricultura, ao longo da Revolução Industrial. Agora, os serviços assumem a proeminência. Não é o fim da produção manufatureira, mas o seu crescimento em um ritmo menor.
A desindustrialização costuma ser resultado do aumento da produtividade, por força de melhorias em educação, tecnologia e gestão das empresas. Por ação do estado, mudanças institucionais contribuem para reduzir custos de transação, ampliar o acesso ao crédito, melhorar a operação da logística e incentivar a inovação.
Nesse sentido, a desindustrialização – também em curso no Brasil – é um processo positivo, que tende a ampliar os níveis de bem-estar social. Aqui se diz que vivemos uma “desindustrialização precoce”, causada pela valorização cambial. Essa seria também a origem da “reprimarização”. Conclusão: o câmbio influencia o crescimento.
Essa ideia foi refutada por Pedro Cavalcanti Ferreira e Renato Fragelli Cardoso (Valor, 29/312010). Segundo eles, nas 1800 páginas do Handbook of Economic Growth, a mais importante obra do gênero, não se fala sobre política cambial, “uma indicação de que o consenso é de sua pouca importância na determinação do crescimento”.
O senso comum associa o desenvolvimento à indústria, mas as economias de serviços também crescem. Basta ver o desempenho dos Estados Unidos nas últimas décadas. Lá, os serviços compõem 77% do PIB. O emprego industrial é inferior a 10% da força de trabalho. Os serviços se tomaram o motor da inovação e dos ganhos de produtividade.
Para José Tavares de Araújo Júnior, o desempenho menos favorável da indústria em relação às commodities não foi causado pelo câmbio valorizado, que pode prejudicar alguns setores, mas não o todo. Uma razão plausível, entre outras, seria a permanência de uma distorção da época da substituição de importações: as empresas inovam muito pouco.
Entre 2005 e 2009, a participação dos industrializados nas exportações caiu de 50,2% para 37,3%. A das commodities subiu de 49,8% para 62,7%. A queda dos industrializados aumentou com a recessão nos países ricos; a subida das commodities resultou da maior demanda da Ásia. Mesmo assim, as vendas externas de industrializados cresceram 8%; as da cadeia química, 40%; as de bens de capital, 28%.
O ganho das commodities é, pois, um efeito aritmético. É como a situação dos pais cujo filho cresce menos do que o do vizinho: não podem pensar que o menino encolheu.
No México, os produtos industrializados são 82% da pauta de exportações. Poderia crescer mais do que o Brasil? Estaria menos vulnerável a crises externas? A crise financeira mundial fez o PIB mexicano cair 6,5% em 2009, mas prejudicou menos o nosso, que diminuiu apenas 0,2%. O México adoraria ter nossa capacidade de exportar commodities para a China.
A tese da desindustrialização/ “reprimarização” dá a entender que é ruim aumentar as exportações de commodities. Voltaríamos aos tempos da agricultura obsoleta, palco do Jeca Tatu, o personagem de Monteiro Lobato que simboliza o caipira atrasado, doente e abandonado pelo estado.
Nada a ver. O país ganhou espaço no mercado mundial de commodities porque seu agronegócio é moderno, avançado tecnologicameme e competitivo. O mesmo se dirá da mineração brasileira e de sua impressionante logística. Ao contrário do que se pensa, as nossas commodities criam mais valor agregado do que certos produtos industriais.
O desafio é atacar, via reformas, as deficiências estruturais geradoras de custos sistêmicos para os exportadores: tributação caótica. excesso de burocracia, infraestrutura deteriorada, insegurança regulatória, legislação trabalhista anacrônica e educação de má qualidade, para citar os principais. Focalizar o câmbio é desviar a atenção do principal para o acessório.
Fonte: Revista “Veja” – 28/07/10
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