Em maio, a Prefeitura do Município de São Paulo publicou o Decreto nº 53.151/12, que aprovou o Regulamento do Imposto sobre Serviços (ISS) no município. A pretexto de unificar o regramento relativo ao ISS no município, o Decreto nº 53.151/12 reproduziu a regra que já havia causado bastante polêmica ao tempo da sua promulgação, em janeiro deste ano, de que as empresas que estiverem inadimplentes com o Fisco ficarão impedidas em emitir a Nota Fiscal de Serviços Eletrônica (NFS-e).
A polêmica causada refere-se a dois motivos. O primeiro deles relaciona-se ao fato de que o Fisco já dispõe de uma série de mecanismos indiretos para exigir os supostos débitos do contribuinte, como as certidões negativas de débito como condição de contratação com o Poder Público e como requisito para o registro de transações imobiliárias e os Cadastros Públicos de Inadimplentes (Cadins), que podem interferir em repasses públicos e a fruição de regimes especiais. O segundo deles é o fato de que, mais uma vez, a administração impõe ao contribuinte a observância de regras com o mesmo conteúdo daquelas que já foram julgadas inconstitucionais no passado.
Atraindo-se a atenção para o segundo problema, há de se pontuar que em relação à questão da impossibilidade de se impedir a expedição de documento fiscal pelo contribuinte supostamente inadimplente, o Supremo Tribunal Federal (STF) já editou até súmula, a de número 547, já em 1969, vedando tal prática.
No entanto, o mau exemplo aplicado pela municipalidade de São Paulo não é de sua exclusividade. Estes são muitos, podendo-se citar também a conhecida guerra fiscal travada entre os Estados em que muito embora o Supremo já tenha definido que incentivos concedidos fora do âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) sejam inconstitucionais, os entes federados ainda editam leis conferindo tais benefícios, como forma de atrair investimentos.
Assim, Estados revogam leis à véspera do seu julgamento pela Suprema Corte, para editar, poucos dias depois, norma de idêntica materialidade. Caso a norma seja julgada pelo tribunal, altera-se poucos detalhes e esta é novamente posta em vigor, sem que, até o momento, a comunidade jurídica tenha encontrado um meio eficiente de barrar tais manobras, perniciosas à segurança jurídica que as decisões do Supremo deveriam impor ao sistema.
Outros exemplos (não exaustivos) que podem ser citados estão pautados na lei paulista que reajusta os seus débitos, fixados anteriormente em 0,1% ao dia, atualmente reduzido para 0,04% ao dia, o que ainda representa 14,6% ao ano, percentual muito superior à Selic, já definida pelo STF como teto para a remuneração dos créditos dos governos estaduais; ou na prática comum das administrações fazendárias dos Estados que impõem multas moratórias nos procedimentos de reavaliação de valor de bens para fins de cálculo do ITCMD – quando esta é de seu exclusivo encargo ainda no descumprimento de soluções de consulta sob o argumento de alteração de cenário fático; ou na pretensão de inaplicabilidade de tratados internacionais por questões semânticas, condutas já reprovadas pela Corte Suprema.
Aos empresários restam as consequências da ausência de mecanismos eficazes de repressão de tais comportamentos. Isso porque, no exemplo da administração municipal, há de se solver todas as dívidas para ter habilitada a emissão das notas fiscais ou se arcar com os custos de contratação de advogados para a obtenção de uma ordem judicial, hipótese que se repete nos casos em que são aplicados os índices de correção inconstitucionais; também quando devam ser afastadas as indevidas multas aplicadas pela administração, ou ainda quando o resultado das soluções de consulta não são observados.
Quanto à guerra fiscal, há de se definir como e se haverá devolução dos valores aproveitados, caso as decisões do STF não passem a contar com a declaração de efeitos meramente prospectivos e, enquanto uma definição não é encontrada, arca-se com os ônus das pesadas imposições formuladas pelos Estados que não reconhecem os benefícios concedidos pelos demais, como o Estado de São Paulo.
Já se faz presente o momento em que a administração pública deverá pautar sua conduta nos princípios prestigiados pela Constituição Federal, como a moralidade e eficiência, garantindo-se, ainda, seja respeitada a segurança jurídica; enquanto isso não ocorre – e a comunidade jurídica não encontra um meio eficaz de que sejam respeitados tais princípios – o custo Brasil continuará muito alto, afastando não apenas o investimento externo, mas desestimulando o reinvestimento dos capitais nas atividades produtivas, deixando-os voláteis, o que é de todo nocivo à economia.
Fonte: Valor Econômico, 19/06/2012
A questão, sem aparente resposta da comunidade jurídica, na verdade, sob o prisma científico, já tem solução.
Trata-se da eficácia transcendente da decisões de controle concentrado de constitucionalidade, tese já concretizada na Alemanha.
Se em hipótese, o Estado da Paraíba promulgasse lei instituindo a pena de morte. Mas que depressa, a comunidade jurídica, por seus órgãos, levaria a inconstitucionalidade fulgurante ao STF.
A norma veiculada por lei estadual seria extirpada do sistema, ou melhor, declarada natimorta.
Seria necessária nova ADI caso o Estado vizinho promulgasse igual “lei” ou a força da decisão anterior, vez que abstrata, atingiria a “nova lei” veiculadora de ‘velha norma”?
Temos, pois, um ciclo vicioso, onde a irresponsabilidade dos gestores públicos, encobertos, no mais das vezes, pelo manto da responsabilidade objetiva, prevista pelo § 6º do art. 37 da Constituição, dá às administrações tributárias e ao governos transitórios, nas três esferas, condições para