O Banco Central anunciou a continuação de seu programa de intervenção sobre a taxa de câmbio iniciado em agosto do ano passado. Naquele momento o Federal Reserve emitira os primeiros sinais que poderia alterar sua política, perspectiva que elevou o rendimento dos títulos de dez anos do Tesouro norte-americano para quase 3% ao ano, fortalecendo o dólar relativamente às demais moedas, entre elas o real.
Em resposta à elevação do dólar, que chegou a valer quase R$ 2,45, o Banco Central passou a intervir nos mercados futuros de câmbio. A justificativa para a intervenção, apesar do regime de câmbio flutuante, era a necessidade de prover proteção (“hedge”) aos agentes econômicos, assegurando que o Banco Central não tinha um objetivo no que diz respeito ao nível da taxa de câmbio, mas que procurava apenas reduzir sua volatilidade.
Desde então, a taxa de câmbio passou quase 90% do tempo no intervalo de R$ 2,20 a R$ 2,40, resultado que pode tanto sinalizar sucesso na moderação da volatilidade como a adoção implícita de uma banda cambial naquele intervalo, isto é, um dólar nem tão barato que prejudique as contas externas nem tão caro que ameace o já precário controle da inflação.
Já eu estou convencido que a segunda hipótese oferece uma explicação melhor do que se passa no mercado brasileiro de câmbio.
Houve, é claro, redução expressiva da volatilidade. No período entre agosto e setembro do ano passado, essa chegou a ficar algo como duas vezes superior à sua média histórica recente; já nos últimos meses tem ficado em torno da média, fenômeno que a análise mais apressada tenderia a atribuir à intervenção do BC.
Ocorre que outras moedas sul-americanas, notadamente as da Colômbia, do Peru e, em menor medida, do Chile, passaram por processo semelhante, tanto a elevação da volatilidade em relação a seu padrão histórico no terceiro trimestre de 2013, como a reversão à média no segundo trimestre deste ano. E, é bom notar, não houve nestes países intervenção tão pesada como a promovida pelo BC, que vendeu no período pouco mais de US$ 90 bilhões no mercado futuro.
Tal fato sugere, portanto, que a volatilidade excessiva, motivo alegado pelo BC para iniciar o processo de intervenção, já não é tão sério quanto foi no terceiro trimestre do ano passado. Ainda assim o BC se decidiu pela continuação do programa, cujo anúncio chegou a levar a taxa de câmbio brevemente abaixo dos R$ 2,20/US$.
Isso sugere que, a despeito de eventuais protestos de lealdade por parte do Banco Central ao regime de taxas flutuantes, não é o excesso de volatilidade que o induz a intervir no mercado de câmbio. Pelo contrário, por mais que não admita isto publicamente, fica claro que o Banco Central tem, sim interferido, para manter o real dentro de patamares que julga confortáveis.
E “conforto” nas condições atuais significa essencialmente manter a taxa de câmbio em níveis que o Banco Central acredita serem compatíveis com o controle da inflação, aqui entendido como a manutenção desta pouco abaixo do limite superior do intervalo de tolerância ao redor da meta (que, não esqueçamos, é 4,5%).
Dado que o BC abriu mão da política monetária – muito embora suas próprias projeções sugiram inflação próxima ao teto da meta nos próximos 12 a 15 meses –, só lhe resta administrar a taxa de câmbio para tentar evitar que até mesmo este limite seja ultrapassado, ainda que para isto tenha que vender mais US$ 25 bilhões a US$ 30 bilhões até o fim deste ano.
Isso dito, como o próprio BC parece (ou deveria) saber, há o risco da calmaria na frente externa ser temporária, em particular caso a recuperação americana seja mais forte do que hoje se imagina.
A munição hoje empregada para manter a taxa de câmbio artificialmente valorizada, e assim atenuar os riscos inflacionários, poderá fazer falta num cenário de maior turbulência no mercado global de câmbio, mas pensar lances à frente não é o forte deste BC.
Fonte: Folha de São Paulo, 10/7/2014
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