Ao contrário do que muitos dirão no futuro, quando mencionarem a crise escancarada na semana passada com o rebaixamento da nota do Brasil pela Standard & Poors, o problema não está no rigor da decisão tomada pela agência de classificação de risco. Muitos cairão na tentação de acusá-la (como, aliás, já estão fazendo) de integrar a conspiração coxinha destinada a desestabilizar o governo Dilma Rousseff (como se o governo já não tivesse demonstrado a enorme capacidade de se enrolar sem ajuda de ninguém). O rebaixamento da nota não marca o início de uma nova era. Marca, sim, a coroação de uma série de trapalhadas que vêm se acumulando nos últimos anos e que só não foram percebidos por quem (por ingenuidade, por má-fé ou por algum tipo de interesse) não prestou atenção na vaca que desde o ano passado segue em marcha acelerada na direção do brejo.
[su_quote]O governo cortou o que precisava ser mantido e manteve o que precisava ser cortado[/su_quote]
Se o Brasil teve o nome negativado junto à Standard & Poors (uma espécie de Serasa que avalia no mercado internacional quem é bom e quem é mau pagador) isso se deve única e exclusivamente às decisões (ou à falta delas) tomadas pelo governo no campo da economia. A sinalização pelo menos serviu para que Dilma acordasse para a realidade. Tanto assim que, pela primeira vez desde o início de seu segundo mandato, ela deu razão ao ministro Joaquim Levy – que desde dezembro do ano passado, quando teve o nome confirmado como substituto de Guido Mantega, tornou-se um defensor solitário do corte de gastos.
A grande questão com a qual Levy ou qualquer outro economista que ocupe a cadeira de ministro da Fazenda precisa se preocupar não diz respeito apenas ao valor a ser economizado. O problema é o tipo de despesa que pode ser mexida. Tudo o que o governo eliminou até agora refere-se a investimentos que, uma vez podados, paralisam a economia e dificultam a retomada do crescimento. Ou seja: o governo cortou o que precisava ser mantido e manteve o que precisava ser cortado.
O xis da questão são as despesas de custeio, infladas sem dó nem piedade desde 2003. Na entrevista que concedeu na quinta-feira para comentar a decisão da Standard & Poors, Levy se limitou a insistir na necessidade de reduzir despesas. Mas não apontou o dedo em direção a nenhuma delas. Apenas mencionou a necessidade de mexer no seguro Defeso, pérola populista criada no primeiro ano do governo Lula. Com o pretexto aparentemente nobre de garantir renda mínima a pescadores artesanais no período de proibição da captura de determinadas espécies, o Defeso (cuja revisão dorme no Congresso, à espera de tramitação) virou uma farra monumental.
Sem rio nem lagoa
Há casos de gente que recebe o seguro em cidades que não têm nem rio nem lagoa. No município paraibano de Camaláu, por exemplo, uma mulher que nem sabe o que é tarrafa obteve o benefício por ser esposa de um vereador (ganha sinceros parabéns quem adivinhar o partido de sua excelência). E na maior de todas as distorções, o seguro pode ser concedido inclusive a pescadores que recebem o Bolsa Família — que, por definição, já é um garantidor de renda mínima. São casos isolados, dirão os defensores da medida. Mas de caso isolado em caso isolado, o Defeso tornou-se um fardo que pesa sobre os ombros da sociedade que paga a conta.Ou será que é a reforma política dos remendos? Na verdade, tudo ficou muito distante daquilo que deveria ser uma reforma verdadeira. Um grande trabalho que fosse inspirado apenas na democracia e nada no interesse partidário mais imediato que é a vitória a qualquer custo. É preciso reconhecer que, mesmo na base do remendo, o que se fez foi mais do que em tentativas anteriores. É bem verdade que não se pode dar a questão como definida porque há decisões que precisarão ser votadas. E terá que ser com quórum especial porque atingem a Constituição, e todo o conjunto produzido agora, será submetido à sanção ou ao veto da presidente Dilma. Algo que deverá ser feito antes de outubro, se a intenção for a de fazer as novas regras valerem para as municipais do próximo ano.
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