O ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco cita uma frase do folclorista Câmara Cascudo para exemplificar a realidade do país nesses quase 200 anos de independência: “O Brasil não tem problema, só soluções adiadas”. Durante essa trajetória, nos acostumamos a deixar tudo para depois, desde o atraso para abolir a escravatura até a necessidade de discutir reformas estruturais no Estado. É preciso, portanto, que cheguemos a situações extremas para a nação sair da sua zona de conforto e promover verdadeiras mudanças.
Após muitos anos de políticas econômicas equivocadas, estamos, mais uma vez, na beira do precipício. O colapso das contas públicas indica que já passou da hora de reformar o Brasil. Em um ano repleto de reviravoltas políticas, as ideias liberais – por muito tempo consideradas um delírio no país – começam a se fazer presentes entre a população, no Congresso e até na equipe econômica do Executivo. Em uma entrevista exclusiva ao Instituto Millenium, Franco traça as expectativas para a aprovação das reformas e fala sobre os motivos que culminaram nesta inédita primavera liberal brasileira. Assista!
O grande vilão que nos empurra cada dia mais em direção ao precipício toma forma na imagem do nosso deficitário sistema previdenciário. Na semana em que a reforma da Previdência é apresentada ao Congresso, já há um consenso da importância desta discussão. Gustavo Franco se diz otimista em relação à aprovação da matéria. “Isso, hoje, é muito mais evidente do que em qualquer outro momento do passado em razão dos atrasos dos pagamentos por diversos governos locais, ficando mais próximo da população toda a iniquidade que é a sustentação desses pagamentos previdenciários excessivos no Brasil inteiro. O resultado é que ninguém recebe direito porque tem alguém que parece estar ganhando mais do que deve. Em outras ocasiões, e o exemplo do próprio Plano Real é útil, houve a percepção de que a inflação tinha chegado a um ponto crítico. Estamos de novo de front com uma situação fiscal insustentável. Essa percepção é muito clara”.
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Apesar de sua importância, a reforma, sozinha, não resolverá todos os problemas do país. “É um perigo imaginar que, no dia seguinte da votação da Previdência, o Brasil se tornará uma máquina de crescimento. Não é assim, nem foi assim quando nós superamos a hiperinflação. Demorou para acabar o tratamento daquela doença, como nesse caso também. Uma vez passada a reforma, vamos ter algum tempo para as finanças públicas estarem em ordem. Subimos um degrau em matérias de aspirações quanto à prosperidade econômica, mas temos uma agenda de modernização”, alerta o economista.
O brasileiro já é liberal
As ideias liberais dominaram o debate político-econômico nas últimas eleições. Pela primeira vez em muitos anos o Congresso recebeu parlamentares comprometidos com os ideais de liberdade. Diferentes fatores contribuíram para esta reviravolta inédita. De um lado, segundo Franco, houve o fracasso das alternativas ao ponto de vista liberal. A Nova Matriz Econômica não foi bem-sucedida e a responsabilidade fiscal se fortaleceu como o único caminho viável para as contas públicas. As eleições acirraram ainda mais o “antipetismo”. Um sentimento geral de que, quando se trata de questões econômicas, era preciso fazer o contrário do que sugeriam os economistas do PT.
Por outro lado, o grande número de brasileiros que empreendem mostra que existe uma demanda crescente por um país mais livre e menos estatizado. “São 27 milhões de pessoas contadas pelo IBGE que não têm patrão e dependem da sua própria inciativa para prosperar. É uma surpresa para muitos que esperariam encontrar nas estatísticas da força do trabalho uma maioria de assalariados e uma minoria de empregadores. Não é isso. O Brasil já é um país muito penetrado pelas ideias liberais”, relata o economista.
Na agenda de modernização econômica, um dos grandes anseios destes milhões de brasileiros é fazer valer o que discorre a Constituição, enfática ao dizer que o país se organiza em torno dos valores sociais do trabalho e da livre inciativa. Apesar do que manifesta a Carga Magna, o Estado brasileiro vem costurando um cenário danoso ao empreendedorismo. Franco remete esta questão a uma matriz cultural antiga; um corporativismo que remonta o século XIX. “Nós deveríamos ter, em nosso arcabouço legal que rege a atividade econômica, algo mais amistoso a este tipo de trabalho que cria trabalho para os outros, que é a empresa, ao invés de algo que parece sempre buscar tributar em excesso, regular em excesso, como se essas criaturas fossem do mal. O que traz para hoje o desafio de reforma como rotina. Precisávamos acordar de manhã pensando em como fazer melhor aquilo que fazíamos ontem”.