As consequências dos erros na condução da economia estão sendo sentidas por todos. A avaliação das opções estratégicas dos governos do PT na área externa mostra resultados em geral contrários aos interesses nacionais.
A ação da política externa e de comércio exterior dessas administrações partiu de premissas e percepções que se provaram equivocadas. As prioridades foram, nas grandes linhas, as mesmas dos governos anteriores (África, Oriente Médio, Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU), América do Sul, China, Mercosul). O que mudou foram a ênfase e a forma da implementação das políticas por influência da plataforma de um partido político.
O declínio do poderio dos EUA e a crítica ao processo de globalização econômica e financeira estavam no centro da visão de mundo do lulopetismo, que requentou temas da esquerda da década de 1960 contra a opressão capitalista e o imperialismo. A retórica oficial ressaltou o interesse do governo em mudar a geografia política, econômica e comercial global pelo fortalecimento do multilateralismo e pelo fim da hegemonia dos EUA, por meio da reforma dos organismos internacionais e, em especial, do CSNU. Como corolário, políticas começaram a ser desenhadas para mudar o eixo da dependência comercial do Brasil pela redução da influência dos países desenvolvidos e pelo aumento da cooperação com os países em desenvolvimento.
A relações Sul-Sul passaram a ser uma das prioridades da política externa, com maior aproximação e ativismo na América do Sul, na África e no Oriente Médio e participação nos blocos integrados por países dessas regiões e outros emergentes (Brics, Ibas, Unasul, Celac). Ampliar a integração regional e fortalecer o Mercosul e sua expansão para formar uma área de livre-comércio na América do Sul, como forma de oposição aos EUA, foram outras vertentes da política externa que afetaram as reais prioridades do Brasil no seu entorno geográfico.
A aplicação da plataforma do PT, com a partidarização da política externa e a criação na América Latina de canal paralelo ao do Itamaraty, culminou com a política de afinidades ideológicas, generosidade e paciência estratégica nas relações econômicas e comerciais com países sul-americanos, como Venezuela, Argentina, Bolívia, Cuba, e com países africanos. A prioridade absoluta nas negociações comerciais multilaterais e a crítica à abertura comercial, com a rejeição dos acordos de livre-comércio, puseram o Brasil na contramão das tendências atuais de maior integração econômica global.
[su_quote]O empobrecimento da pauta comercial brasileira e a perda de espaço no comércio internacional estão associados à manutenção de uma economia fechada[/su_quote]
O resultado dessas opções foi a criação de um verdadeiro déficit diplomático para o Brasil.
Na política externa, de pouca relevância no governo Dilma, deu-se o enfraquecimento da voz do Brasil no contexto internacional, o que afetou nossa projeção externa. Isso criou no Itamaraty crescentes problemas operacionais de gestão, pela falta de recursos, e resultou na redução do perfil brasileiro nos temas globais discutidos nos organismos internacionais especializados. A desintegração regional acentuou-se pela ausência de liderança brasileira e pelo apoio à Alba (aliança bolivariana). Pela dificuldade de fazer avançar o Mercosul, deu-se ênfase às relações bilaterais com os países sul-americanos.
O antiamericanismo e o congelamento das relações com os EUA refletiram-se na criação de novas instituições sul-americanas (Celac, Unasul). Sem visão estratégica, abandonaram-se as prioridades de projetos de infraestrutura na América do Sul. A baixa prioridade dada às importantes nações democráticas e a aproximação e o apoio a regimes de clara inspiração antidemocrática são reflexo da confusão entre valores e interesses na definição de políticas nos temas globais (democracia e direito humanos). A ausência de uma clara visão do interesse brasileiro se manifesta em relação aos países desenvolvidos (os da União Europeia, EUA e Japão), China e Brics.
No tocante ao comércio exterior, essas políticas causaram o isolamento do Brasil das negociações comerciais no âmbito da OMC. Enquanto foram assinados mais de 400 acordos comerciais, o Brasil assinou apenas quatro – Israel, Egito e Autoridade Palestina e África meridional (Sacu). Hoje vemos o Mercosul comercial paralisado e cedendo lugar a temas sociais e políticos. Além de que o intercâmbio com a África e o Oriente Médio pouco cresceu em termos porcentuais no total do comércio exterior brasileiro. O empobrecimento da pauta comercial brasileira e a perda de espaço no comércio internacional estão associados à manutenção de uma economia fechada. E por causa de nossa reduzida inserção nas cadeias produtivas globais e da aplicação de políticas restritivas no comércio exterior, acabamos tendo limitado acesso à inovação e à tecnologia.
No início do segundo mandato, o governo Dilma até ensaiou alguma evolução na política externa e na negociação comercial exterior. Porém, em tempos de ajuste da economia, o governo vê-se diante de uma escassez de meios que limita a ação externa. Os resultados das conversações com os EUA e a Alemanha foram limitados e mais de boas intenções do que de ações concretas. Prossegue, entretanto, a influência partidária, como evidenciado pela não retomada do acordo de salvaguardas tecnológicas com Washington.
As opções equivocadas tiveram custos enormes para o país e terão de ser revistas. Em razão da partidarização e da falta de visão estratégica, faltou, como recomendou o barão do Rio Branco, “tomar a dianteira e construir uma liderança serena, coerente com nossa dignidade de nação”.
O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, procura movimentar a ação externa com viagens à África, ao Irã e ao Líbano e afirma que a única ideologia que guia o Itamaraty é a da defesa do interesse nacional. Trata-se de importante mudança de política, que, espera-se, possa de fato produzir resultados concretos.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 22/9/2015
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