O discurso da vitória da presidente eleita Dilma Rousseff foi surpreendente. Principalmente pelo que não foi dito. Ou pelo que não foi chorado. Dilma resistiu à tentação do brado emocional, contrariando o estilo canastrão de seu padrinho e de sua própria candidatura. Fez um discurso sóbrio, sem nenhum vestígio do “nós contra eles” – onipresente nos palanques de Lula e sua trincheira imaginária contra as elites. Não foi uma fala de quem quer impressionar, mas de quem quer trabalhar.
E Dilma vai precisar trabalhar muito – antes de tudo, para descobrir quem é esse personagem que Lula criou para ela. A “presidenta” parece levemente desnorteada. Em seu bom discurso, expressou compromisso claro com a estabilidade econômica. Mas como se faz isso na prática? Aí as estações começam a se misturar entre os brindes da festa e as medidas de governo – que não podem mais ser aquelas que o marqueteiro dá uma embelezada e joga no ar.
A presidente eleita decidiu defender, então, o controle dos gastos públicos. Um compromisso importante, depois da farra fiscal que se viu na DisneyLula. Declarou Dilma: “O povo brasileiro não aceita que governos gastem acima do que seja sustentável”. No dia seguinte, porém, ela estava propondo um remendo no cálculo do salário mínimo para aumentar seu valor em 2011. Disse também que quer criar mais um ministério, só para as pequenas empresas. Por enquanto, com esses jeitinhos e gambiarras administrativas, é a austeridade do crioulo doido.
O governo que virá à luz em 1º de janeiro ainda não sabe, evidentemente, como vai domar a gastança pública. Ainda mais tendo de saciar o PT e o PMDB, as maiores bocas do fisiologismo nacional. Dilma fez o movimento certo, corajoso, ao incluir o controle fiscal em sua primeiríssima fala. Falta agora conversar com alguém que entenda do assunto, deixando para trás sua tecnologia de madrinha de Erenice e mãe da companheirada na máquina estatal. A conta precisa fechar.
Em matéria de economia, falta entender, também, que os remendos populistas um dia estouram – como se vê na Venezuela chavista e na Argentina dos Kirchners. Aí só resta amordaçar os jornais, principal medida dos dois vizinhos contra a derrocada econômica. É por isso que chega a causar arrepios o anúncio, pela presidente eleita, de um Fundo Social do Pré-Sal.
A primeira mulher presidente rende boas manchetes. Mas o melhor é arregaçar as mangas
É o velho truque orçamentário de criar uma rubrica politicamente correta para lavar a gastança. Pode parecer uma saída esperta, mas no final o tombo é o mesmo. Se a economia pega um vento de través – o que Lula não soube o que é –, não há populismo que segure os navegantes. Talvez Dilma só compreenda essa equação no dia em que tiver de cortar Bolsa Família. Espera-se que a ficha caia antes.
O bom discurso da presidente eleita, na verdade, começou mal. Antes de expressar de forma firme e serena seus compromissos com a sociedade, sem partidarismos, ela piscou um olho para a demagogia. “Gostaria muito que os pais e as mães de meninas olhassem hoje nos olhos delas e lhes dissessem: sim, a mulher pode!”
Não, a mulher não pode. Não pode usar sua condição natural como escudo retórico para a ação política. Já basta o debate artificial sobre o aborto, do qual a própria Dilma foi vítima na campanha. Essa mistificação é perigosa, como o mundo acaba de ver no outro fenômeno do “sim, nós podemos” – o negro como fetiche da felicidade social.
Barack Obama foi eleito em meio a uma apoteose histérica de redenção política. Tratava-se de um bom candidato, mas qual era a grande credencial mágica que o planeta lhe atribuía? Ser negro. Agora seu país está em crise, e ele se diz humilhado pela derrota nas eleições parlamentares. A cor de sua pele continua a ser um grande símbolo, mas administrativamente não quer dizer nada.
A primeira mulher presidente do Brasil rende boas manchetes. Mas o melhor é abortar o fetiche e arregaçar as mangas.
Publicado na Revista “Época”
Pelo visto todos acham que a mulher pode surpreender e se comportar como se fosse outra pessoa. Duas personalidades, das quais só conhecemos uma.
Não vai tardar para a maquiagem da “capacidade e competência” da escolhida começar a desmanchar.
Pretendendo perpetuar o populismo, só piorará a situação.
Espero que desta vez a mídia não atue no processo de tornar Dilma um mito somente por ser mulher, alias como foi feito com Lula somente por ser pobre e operario.
Com certeza os desafios dela serão muito mais difíceis de transpor do que todo o mandato de Lula pode pensar em ter.
Realmente tomara que ela arregace as mangas ao invés de utilizar o que seu padrinho fez nos ultimos 8 anos.
Infelizmente eu não acredito nisso, pois seria como se ela se transformasse naquilo que ninguem viu dela ate hoje.