Para quem observa os persistentes desafios da gestão pública no Brasil, especialmente no âmbito municipal, a ideia de “distritos de propósito específico” surge como uma alternativa no mínimo instigante. Estes distritos oferecem um modelo de governança que não encontra paralelo direto em nosso sistema. No Brasil, como bem sabemos, todos os municípios são, em tese, tratados como iguais. Legalmente, São Paulo e uma pequena cidade rural têm a mesma estrutura e a mesma lista de responsabilidades, ainda que suas capacidades e realidades não pudessem ser mais distintas. Existem leis que buscam, informalmente, levar essa disparidade em conta ao estabelecer diferentes obrigações conforme o porte do município, mas não há um marco legal que reconheça, de fato, diferentes arquétipos municipais.
Daí o fascínio com a ideia de distritos de missão única. Imagine se fosse possível pegar uma cidade e dizer: “A partir de agora, a educação nesta parte da cidade não será mais responsabilidade do prefeito. Em vez disso, será responsabilidade de um distrito separado, com seu próprio conselho eleito, seu próprio orçamento e seu próprio poder de arrecadar impostos”. Isso isola a função, alinha os incentivos dos eleitores com um resultado específico e confere à liderança do distrito um mandato estrito. O objetivo não é a perfeição, mas a clareza: um líder, uma atribuição, uma forma de responsabilização (accountability). E como a estrutura é construída para o propósito, e não atrelada à burocracia preexistente, o aparato administrativo pode, ao menos em teoria, ser mais enxuto, mais ágil e moldado em torno da lógica que emerge da prestação de serviços.
A leitura de uma recente edição da newsletter de Connor Tabarrok ajudou a enxergar como essa lógica se desenrola no contexto do desenvolvimento habitacional no Texas. Ele detalha como os Municipal Utility Districts, ou MUDs (Distritos Municipais de Utilidades), permitiram ao estado expandir a oferta habitacional em larga escala e, precisamente por isso, evitar o tipo de inflação nos preços dos aluguéis vista em outros lugares. Um MUD é essencialmente um governo local criado para fornecer infraestrutura em novas áreas na periferia urbana. Começa quando um incorporador solicita ao estado a criação de um distrito, constrói estradas, sistemas de água e esgoto com capital privado, e é então reembolsado por impostos coletados dos futuros moradores. O distrito é gerenciado independentemente, com seu próprio conselho diretor, e focado exclusivamente em fornecer infraestrutura.
Esse modelo é particularmente interessante por seu mecanismo de financiamento. Em vez de o estado ou a cidade arcar com o custo inicial da infraestrutura, o incorporador adianta os fundos e só é reembolsado quando as casas são construídas e os moradores começam a pagar impostos. Esse arranjo transfere o risco financeiro do setor público e cria incentivos para decisões mais criteriosas e baseadas em dados sobre onde construir. Como o reembolso depende da demanda real, incorporadores e mercados de títulos são incentivados a coletar informações mais precisas sobre onde e como faz sentido expandir. Encoraja um tipo de racionalidade analítica que é difícil de replicar no governo, onde decisões de investimento são frequentemente pouco criteriosas, lentas ou politicamente distorcidas. Também cria um senso mais forte de certeza para aqueles que se instalam em novas áreas, já que a infraestrutura vem primeiro. Estradas, água, esgoto: tudo instalado antes que a construção habitacional comece.
Claro, há suas compensações (trade-offs). Por sua própria concepção, o MUD é uma unidade de governança restrita e, no início, sua legitimidade democrática é frágil. Alguns distritos são criados com apenas um punhado de moradores temporariamente alojados no local para aprovar grandes emissões de títulos. Uma vez povoados, os moradores votam para o conselho, mas, neste momento, os grandes compromissos financeiros já foram assumidos. A coordenação entre múltiplos MUDs também pode ser complexa, especialmente quando se trata de gerenciar recursos comuns, como a água. E porque a estrutura encoraja o desenvolvimento em terrenos baratos e periféricos, frequentemente leva à expansão urbana desordenada (sprawl urbano). Muitos distritos são posteriormente anexados a governos municipais, mas isso não é automático, e não há cláusula de extinção prevista para acionar essa transição quando o propósito original foi cumprido.
Ainda assim, a lição mais ampla permanece. Os MUDs não são uma solução abrangente, mas são uma ferramenta – uma que torna possível alinhar incentivos, financiar infraestrutura e construir em escala sem depender de orçamentos públicos já pressionados. Do abastecimento de água ao controle de mosquitos, da iluminação pública ao gerenciamento da terra sob a Disney World, distritos de propósito especial existem para quase tudo nos Estados Unidos. É uma forma de imaginação institucional da qual muitos países carecem. Em lugares como o Brasil, onde a governança é centralizada e uniformemente estruturada, vale a reflexão: que novas possibilidades poderiam emergir se permitíssemos mandatos mais direcionados, responsabilização (accountability) mais clara e modelos de entrega que pudessem realmente se adaptar à tarefa em questão?