Ninguém se iluda. A enorme dívida pública do mundo rico vai durar muitos anos, talvez décadas, e um ajuste rápido e penoso para americanos, europeus e japoneses vai ser doloroso para todo mundo – chineses, brasileiros, mexicanos, coreanos e quem mais tenha alguma ligação com o mercado internacional. O reconhecimento desse fato – a solução será demorada – é provavelmente o melhor argumento a favor de programas de médio prazo com metas críveis e bem definidas. Alguns números podem ser mais convincentes que a maior parte dos discursos. Para levar a dívida americana de volta ao equivalente a uns 60% do Produto Interno Bruto (PIB) até 2030, o governo terá de obter um superávit primário pouco superior a 6% em cada um dos próximos 18 anos. Para o Japão, o resultado primário – o dinheiro reservado para o serviço da dívida – teria de ficar em torno de 14% do PIB. As estimativas foram apresentadas na semana passada pelo secretário-geral da OCDE, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, Angel Gurría, na assembleia do Fundo Monetário Internacional (FMI) em Tóquio.
No caso do Japão, a estimativa é obviamente um mero exercício argumentativo. A dívida bruta japonesa já ultrapassava 180% do PIB em 2007, quando começou a crise bancária, chegou a 210,2% em 2009 e chegará a 250,3% em 2017, sem sinal de estabilização, segundo as projeções apresentadas no Monitor Fiscal do FMI. O caso americano é bem diferente. A dívida bruta do governo dos Estados Unidos era muito mais leve antes da crise. Correspondia a 67,2% do PIB em 2007 e pesava pouco mais que a brasileira, 65,2%. Mas o endividamento brasileiro cresceu até 2009, declinou a partir daí e deve continuar diminuindo nos próximos anos, se o governo mantiver um mínimo de austeridade.
No mundo rico a história é outra. A relação dívida/PIB dos Estados Unidos chegou a 102,9% em 2011 e só deverá estabilizar-se em 2015-2016, permanecendo em 114,2% do PIB durante dois anos, antes de entrar em lento declínio. O pico da dívida italiana, 127,8%, está previsto para o próximo ano. O da espanhola, 101,4%, deve ocorrer em 2016, de acordo com as projeções do FMI. O endividamento dos países avançados do Grupo dos 20 (G-20) deve chegar ao topo, 121,9%, em 2014. Projeções desse tipo dependem sempre de hipóteses complexas e são arriscadas, mas servem para dar uma ideia do tamanho dos problemas e das dificuldades do ajuste. De modo geral, as tabelas mostram um forte contraste entre o rápido crescimento da dívida, a partir do início da crise bancária, em 2007, e a lenta redução esperada a partir do pico. Na maior parte dos casos, só para estabilizar a relação dívida/PIB os governos ainda terão de se esforçar muito e de impor sacrifícios consideráveis à população.
As tabelas do Monitor Fiscal terminam em 2017. As projeções são compatíveis com as condições de crescimento examinadas no Panorama Econômico Mundial do FMI. As economias avançadas devem crescer 1,3% neste ano e 1,5% no próximo, segundo as novas estimativas, mais baixas que as de abril e julho. Em 2017, o PIB dessas economias ainda aumentará 2,6%, em ritmo abaixo da média de 2004 a 2007 (2,9%).
A projeção para os Estados Unidos é de retorno ao ritmo histórico, em torno de 3,3%, enquanto os países da zona do euro continuarão devagar. Mas até a expansão de 1,7% estimada para 2017 será bem melhor que a observada a partir de 2008. Para 2012 e 2013 os cálculos indicam uma contração de 0,4% seguida de um insignificante crescimento de 0,2%.
As más notícias vão além desses números. Todas essas projeções dependem de hipóteses um tanto otimistas. Os europeus terão de avançar na articulação fiscal e na unificação bancária. Além disso, terão de usar finalmente o novo mecanismo de estabilização financeira e a nova política monetária de ajuda aos endividados. No caso americano, a condição é um acordo político para evitar o chamado abismo fiscal, uma desastrosa combinação de corte de gastos e de aumento de impostos prevista para entrar em vigor em 2013. Um pacto desse tipo antes da eleição é quase inimaginável.
Não há como evitar a arrumação das contas públicas no mundo rico. Isso está fora de discussão. O problema é o ritmo do ajuste. Haveria muito menos debate se algumas economias de menor peso tivessem de enfrentar dois ou três anos de sacrifício para consertar seus orçamentos. O caso é diferente, quando os programas de estabilização de várias grandes potências afetam todo o mundo. Há dois pesos e duas medidas, mas também o governo brasileiro apoia a recomendação do FMI de ajustes mais longos e menos recessivos nas economias avançadas. Uma retração maior nos grandes mercados seria muito custosa para os emergentes, incluído o Brasil. O então presidente Lula deve ter esquecido esse detalhe, quando se declarou feliz por ver os Estados Unidos em crise.
Fonte: “Estadão”, 19/10/2012
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