Num ano eleitoral, com o julgamento político mais importante da História recente do país, o Supremo Tribunal Federal (STF) será o centro das atenções a partir de sua volta aos trabalhos em fevereiro. Suas decisões terão necessariamente consequências políticas, seja qual for o resultado do julgamento.
O Supremo terá o duplo papel de julgar e ser julgado pela opinião pública. Nada poderia ser mais prejudicial aos interesses dos “mensaleiros” do que a polêmica em torno do Conselho Nacional deJustiça (CNJ).
A opinião pública estará com sua atenção voltada para o posicionamento do plenário do Supremo em relação à liminar que o ministro Marco Aurélio Mello concedeu nos últimos momentos do ano, quando o Judiciário entrava em recesso, congelando as ações do CNJ.
Outra liminar, esta do ministro Ricardo Lewandowski, suspendeu uma investigação no Tribunal de Justiça de SãoPaulo sobre possíveis pagamentos abusivos.
As medidas foram entendidas pela opinião pública como ações corporativas, e a corregedora do CNJ, ministra Eliana Calmon, transformou-se em heroína popular, um Dom Quixote de saias a lutar contra os gigantescos interesses corporativos do Judiciário.
Mesmo que tenha errado no tom quando iniciou o embate, ao afirmar que havia “bandidos togados”, a ministra cometeu no máximo uma inconveniência verbal, não uma inverdade.
Seu papel de combate ao corporativismo, que alimenta a impunidade dos frequentes “malfeitos” registrados nos diversos níveis do sistema judiciário, tem sido a melhor tradução do espírito que criou o Conselho Nacional de Justiça.
O CNJ não foi criado como um órgão revisor e tem amplos poderes para receber denúncias contra juízes, mesmo diretamente, sem a necessidade de que a reclamação passe pelos tribunais locais.
Os poderes são tão amplos que ele pode agir por conta própria e vinha investigando casos de corrupção na magistratura sem a necessidade de aguardar uma decisão do tribunal local.
Invertendo a judicialização da política, o senador Demóstenes Torres (DEM) apresentou emenda constitucional que garante ao CNJ o direito de julgar e punir juízes.
Na verdade, essa emenda remete ao espírito da lei que criou o CNJ e seria dispensável se não fosse a reação corporativa que levou a Associação dos Magistrados do Brasil a entrar com ação no Supremo contra o conselho.
O plenário, portanto, terá o papel fundamental de definir para a opinião pública qual é o papel do CNJ e, por consequência, qual o seu próprio papel na estrutura de poder brasileiro: se vai ficar protegendo seus interesses corporativos ou está a serviço da sociedade.
Há um movimento nos bastidores do Supremo para que se chegue a uma difícil solução, que não sacrifique a atuação do CNJ, mas atenda as associações de magistrados, que, refletindo o sentimento da classe, se sentem expostas ao que consideram arbítrio da Corregedoria do CNJ.
A posição do pleno do Supremo a respeito do papel do CNJ terá uma relação direta com o outro julgamento, o do mensalão.
Se levarmos em conta o comentário do ministro Ricardo Lewandowski, flagrado falando ao telefone celular com seu irmão depois do julgamento em que os 40 do mensalão foram indiciados, temos que admitir que essa correlação existe.
A pressão da opinião pública, que já se faz sentir nessa disputa com o CNJ a ponto de o plenário não ter julgado a questão por “falta de clima”, conforme explicação não oficial, estará mais uma vez voltada para o Supremo.
Se satisfeita com a decisão sobre o CNJ, a opinião pública transferirá para o STF a esperança de que se faça justiça no julgamento do mensalão.
Se, ao contrário, considerar que o plenário do STF atendeu mais aos interesses da classe do que aos da sociedade, a metafórica “faca no pescoço” a que o ministro Lewandowski atribuiu o indiciamento do exministro José Dirceu como “chefe da quadrilha” poderá voltar a funcionar.
É claro que os ministros do Supremo têm que se ater ao que está nos autos, mas têm também que observar o que a sociedade espera da Justiça.
Quando o mesmo ministro Lewandowski deu uma entrevista recentemente dizendo que alguns dos crimes do mensalão prescreveriam porque não haveria tempo para julgálos ainda em 2012, houve uma reação negativa da opinião pública, e alguns de seus colegas se viram na obrigação de estranhar as declarações.
O próprio ministro Joaquim Barbosa, relator do processo, entregou no dia seguinte seu voto, que, na opinião de muitos, já estava atrasado, para não ser acusado de estar postergando o julgamento.
Lewandowski, que é o revisor do voto, alegou também que teria que começar do zero a leitura do processo, e foi desautorizado por Barbosa, que revelou que o processo já estava digitalizado e acessível a todos os ministros há bastante tempo.
Esse fato certamente ajudará a nova ministra do Supremo Rosa Maria Weber, que tomou posse a 19 de dezembro.
Se ela aproveitar o recesso para começar a leitura do processo, provavelmente não terá necessidade de pedir vistasquando o julgamento começar, talvez em maio.
Se pedir vistas, terá três meses para a leitura, o que atrasará mais ainda o julgamento, colaborando para a possibilidade de prescrição de alguns crimes, como o de organização de quadrilha, caso os acusados sejam condenados a penas de até dois anos.
Os advogados de defesa estariam contando tanto com o pedido de vistas da ministra Rosa Maria quanto com a aposentadoria de dois ministros ainda este ano: o atual presidente do Supremo, Cezar Peluso, e o futuro, Ayres Britto, farão 70 anos provavelmente no decorrer do julgamento, e, se tiverem de ser substituídos, haverá um atraso que beneficiará a maioria dos acusados com a prescrição das penas.
Há no Congresso uma emenda constitucional que prorroga para 75 anos a aposentadoria compulsória dos funcionários públicos.
Embora faça todo o sentido essa prorrogação, pois a idade de 70 anos foi fixada quando a expectativa de vida do brasileiro era bem menor, o PT certamente mobilizará a base governista para não a aprovar, para beneficiar os acusados com o atraso do julgamento.
Opinião pública… Ela não tá nem aí. Alguém acha que a massa acéfala e inculta que é o povo brasileiro se importa com decisões do supremo.